Tempo, mudança e o coming of age.

Toki wo Kakeru Shoujo // Ensaio 11/05/2016 1
“O tempo não espera por ninguém”

Antes de entrar no texto em si, alguns rápidos disclaimers. O que temos aqui é mais um fruto da iniciativa Blogosfera Otaku BR. Desta vez, o É Só Um Desenho participa de uma corrente de artigos, onde cada blog recomenda um tema para um outro blog participante, que poderá então tratar do tema conforme preferir. O elo anterior nesta corrente foi o Otaku Pós-Moderno, com seu artigo sobre a simplicidade em Boku no Hero Academia, e foi ele quem passou o tema que será trabalhado nesse texto aqui: coming of age.

Agora, não vou mentir, foi um tema bem difícil de trabalhar, sobretudo pela situação do blog. Os animes do gênero que eu já vi a maioria eu já fiz uma review, e os demais simplesmente não pareciam me dar muito material para uma resenha que valesse a pena. Mas não queria publicar uma lista, considerando que este já foi o estilo de post da semana passada (pode vê-la clicando aqui). Sobrava-me então o Ensaio, um quadro que já estava há mais de um mês completamente parado (!)

Felizmente, após assistir algumas obras do gênero e pensar algumas características e pontos delas, me veio a ideia deste texto. Espero que gostem. E já deixo avisado que o próximo a escrever para a corrente será o blog Dissidência Pop, que fará um texto com o tema pirataria. O texto deles deve sair em algum momento da semana que vem, então fiquem de olho no blog. E feitos todos os avisos, vamos a este texto aqui. Uma boa leitura a todos.

Logo Blogosfera // Ensaio 11/05/2016 // 2
Conheça a Blogosfera Otaku BR. Link na lista de imagens.

Tem um conto do sociólogo e crítico literário alemão Walter Benjamin que eu gosto bastante. O título dele é “O Rei e a Omelete de Amoras”, e começa com um rei chamando ao seu cozinheiro. O Rei pede que o mesmo lhe faça um omelete de amoras, mas há algo de especial neste pedido. Segundo o rei conta, em sua infância o reino onde vivia foi invadido e ele e seu pai escaparam. No caminho da fuga eles encontraram com uma gentil senhora, que lhes deu um omelete de amoras para comer. E agora, na velhice, o rei gostaria de rememorar aquele gosto. Se o cozinheiro conseguisse, receberia uma grande recompensa, mas se não, seria morto. O cozinheiro então, para a surpresa do leitor, diz para o rei trazer o carrasco. Como cozinheiro, ele certamente poderia fazer um omelete. Mas faltaria algo nele. O alívio de comer algo após uma fuga desesperada. A bondade de uma senhora disposta a ajudar os estranhos. Todo um contexto que certamente influenciou no gosto daquele singelo omelete, e que o cozinheiro jamais seria capaz de replicar.

Heráclito certa vez disse que você nunca se banha duas vezes no mesmo rio. Porque a água flui. O rio se modifica. E na segunda vez que você entra nele, são outras águas que passam por você: um outro rio. Tempo importa. Ele é, afinal, a principal ferramenta da transformação. Dado o devido tempo, tudo se modifica. Isso é, inclusive, algo que Hermes diz a Kino no primeiro episódio de Kino no Tabi (review). O mundo está em constante mudança. E o que tudo isso tem a ver com anime e mangá, você pergunta? Bom, o que é uma história, se não a história de uma mudança? Seja esta uma mudança mais interpessoal, do crescimento e amadurecimento de um personagem, seja esta de uma mudança maior, em todo um povo, sociedade, ou mesmo em toda a humanidade, toda história termina pelo menos um pouquinho diferente do que começou. Isso dito, é curioso notar como a mudança, pelo menos nos animes, parece tender a vir em um espaço de tempo bem curto.

Kino no Tabi // Ensaio 11/05/2016 // 3
O mundo está em constante mudança

Pense no último anime que você assistiu. Ou no último mangá que leu. Grandes são as chances de que, desde o seu começo até o seu momento atual, se passou pouco mais do que alguns meses dentro dessa obra. Mesmo que a obra em si talvez esteja em andamento há anos. Claro, haverão exceções, e é justamente sobre elas que falarei mais adiante, mas por agora é interessante notar esse padrão. De romances escolares repletos de triângulos amorosos até histórias épicas sobre a salvação de toda a humanidade: via de regra a história parece sempre se passar em um período inferior a um ano. Bom exemplo talvez seja o mangá Assassination Classroom, em publicação no Brasil pela editora panini e já finalizada no japão: todos os 180 capítulos divididos ao longo de 20 volumes de mangá se passam exatamente no período de um ano letivo. Nesse curto período de tempo, as crianças descobriram e desenvolveram talentos antes ocultos ou ignorados, e por uma série de treinamentos desenvolveram uma capacidade de movimentação que deixaria muitos praticantes profissionais de parkour com inveja. Além, é claro, de melhorarem em muito a sua autoestima.

Eu honestamente gostei muito de Assassination Classroom, não a toa sigo comprando os volumes lançados pela panini. Mas olhando para a obra é evidente o nível de suspensão de descrença que ela nos pede. Claro, em uma história na qual um polvo amarelo gigante decide ensinar uma turma de alunos rejeitados, dizendo que tais alunos devem matá-lo no período de um ano, ou ele explodiria todo o planeta, a suspensão de descrença aqui já é alta desde o momento zero, então um bando de adolescentes se tornando super soldados mega habilidosos em menos de um ano é certamente apenas mais um “detalhe”. Mas é um detalhe presente em uma enorme quantia de obras. O que me faz perguntar: o quanto você, leitor, mudou desde o ano passado? Quantas novas habilidades você desenvolveu? O quanto da sua personalidade mudou? Ou, para irmos por outra direção, você já viu alguém mudar praticamente da água para o vinho em menos de um ano? Certamente alguns dirão que sim, encontrando dois ou três exemplos disso no mundo real. Mas acho que podemos concordar que não é assim que ocorre com a maioria das pessoas, não é?

Ansatsu Kyoshitsu // Ensaio 11/05/2016 4
Toda a história de Assassination Classroom se passa em exatamente um ano.

E tudo bem, em muitas histórias os personagens passam por eventos verdadeiramente traumáticos, onde amadurecer é uma necessidade para simplesmente continuar vivo. Mas histórias mais focadas no dia a dia de um personagem, tê-lo evoluir demais em uma questão de meses pode soar bastante forçado quando você pensa um pouco a respeito. Talvez por isso que algumas destas histórias, mais voltadas para seus personagens, acabam ultrapassando a marca de um ano interno. São justamente algumas das exceções que mencionei. K-ON (review), por exemplo, possui um tempo interno de três anos, começando com a entrada das garotas no ensino médio e terminando com sua formatura. Mas os melhores exemplos para o que digo certamente vêm daqueles animes que trabalham com o chamado “coming of age“.

Por definição, a ideia de coming of age é a de uma história que mostra a passagem da infância para a vida adulta, normalmente lidando com temas como o crescimento (físico e mental), amadurecimento, ajustamento à sociedade, obtenção de responsabilidades e por ai vai. São obras sobre efetivamente crescer, abandonando o seu passado infantil para abraçar o estado adulto. E enquanto algumas histórias conseguem fazer isso com um período interno de, digamos, alguns dias – a exemplo do mangá Tom Sawyer (review) – outras souberam muito bem como usar a passagem do tempo para mostrar a mudança em seus personagens. Hotarubi no Mori e é um bom exemplo aqui. Em apenas pouco mais de 40 minutos, o filme conta vários “verões” da vida de sua protagonista, desde o momento em que ela encontra com o espírito Gin, na floresta próxima à casa de seu tio, quando tinha apenas 6 anos, até a entrada na adolescência. Tudo no filme é movido para mostrar o crescimento da menina: sua aparência vai mudando, seus uniformes escoladas vão mudando, e claro, seus sentimentos também.

Hotarubi no Mori e // Ensaio 11/05/2016 // 5
Em Hotarubi no Mori e, vemos a personagem crescendo ao longo da história. Interessante notar que uma das principais formas de mostrar a passagem dos anos que o anime usa é mostrar o novo uniforme escolar da protagonista.

Ookami kodomo no Ame to Yuki, mais conhecido pelo seu título americano Wolf’s Children é outro exemplo a ser notado. A história de uma mulher que se apaixonou por um lobisomem e que depois precisou criar seus filhos, ambos também lobisomens, sozinha perpassa pouco mais de 12 anos da vida das personagens, e com ela podemos ver como as crianças vão crescendo e como as perspectivas e visões de mundo delas vão se alterando ao longo da vida. Shin Sekai Yori (review), anime passado em um futuro no qual todos os seres humanos possuem poderes psíquicos, consegue trazer algo semelhante. Temos uma primeira parte com os personagens tendo em torno de 12 anos, um primeiro time skip que coloca nossos personagens com 14, e um segundo time skip que então nos mostra-os em plena vida adulta. Ao longo destes mais de 10 anos da vida dos personagens vemos como eles vão aprendendo mais sobre o mundo e a sociedade ao seu redor, entendo aspectos do mundo que antes não entendiam e chegando a conclusões que, antes, não chegariam.

Mas desconsiderando o quão inegavelmente bons são esses animes, todos eles ainda sofrem de um mesmo impedimento: tempo. Hotarubi tem apenas pouco mais de 40 minutos. Ame to Yuki aproximadamente duas horas. E Shin Sekay Yori marca um total de 25 episódios. Não entendam mal, as obras souberam fazer um excelente uso de suas limitações, mas elas ainda tem limitações. Existe um limite do que você pode fazer em um anime, e normalmente o número de episódios totais já está fechado antes mesmo de começar a produção. Precisamos ser realistas: a era dos animes infinitos acabou. Salvo raríssimas exceções, não veremos mais animes de mais de 100 episódios sendo lançados. Mesmo atingir 25 episódios tem sido algo raro em tempos mais recentes, a maioria das obras ficando em torno dos 12 aos 24 episódios, algumas tendo inclusive apenas 10. É por isso que time skips são fundamentais: para que a história possa “encaixar” nos seus devidos limites.

Ookami Kodomo // Ensaio 11/05/2016 6
Ookami Kodomo conta pouco mais de 12 anos da vida de seus personagens, nos permitindo ver o crescimento e amadurecimento das crianças Ame e Yuki.

É claro, estas são histórias pensadas para terem um ou mais time skipsHoutarubi é a adaptação de um só capítulo de mangá, Shin Sekai é a adaptação de um livro e Ame to Yuki já nasceu pensado como filme. Eles se adaptam bem aos seus limites porque foram concebidos com limites, e por isso sua história pode prosseguir sem precisar nos mostrar cada momento da vida de seus personagens. Nesse sentido, eles não são exatamente muito diferentes daqueles animes que se passam em apenas alguns meses: na prática, nós vemos apenas alguns momentos da vida dos personagens, e se descontarmos o tempo passado em time skips provavelmente o tempo efetivamente mostrado não passaria de algumas semanas ou meses. Mas e se a história não for pensada para acabar em um espaço curto? Entra, então, um dos meus mangás favoritos: Hourou Musuko (review).

Sendo um mangá, a única limitação de Hourou Musuko era o quanto de lucro ele poderia render para a revista. Enquanto o dinheiro estivesse vindo, a autora teria carta branca para seguir com sua história. E como ela seguiu. Começando com os personagens ainda crianças, a história termina quando estes estão prestes a concluir o ensino médio e entrar em alguma faculdade. São quase dez anos da vida desses personagens contados sem nenhum time skip. Não que vejamos cada segundo de seu dia a dia, mas o leitor não encontrará nesse mangá qualquer frase dizendo “seis meses depois” ou “dois anos depois” ou o que for. Publicado entre 2003 e 2013, o mangá teve o tempo que outras mídias só poderiam sonhar em ter. E como resultado, o seu aspecto de coming of age é talvez um dos mais interessantes no gênero. Porque nós realmente vemos o crescimento dos personagens de uma forma incrivelmente orgânica. Mudanças de atitude, conforme passam da infância para a adolescência e vida adulta. Mudanças na personalidade e nas visões de mundo. Mudanças mesmo físicas, que podem facilmente passar desapercebidas pelo leitor a menos que ele volta a olhar os primeiros volumes enquanto estiver lendo os últimos. O tempo em Hourou é um aspecto fundamental de sua narrativa.

Hourou Musuko // Ensaio 11/05/2016 7
Em Hourou Musuko, o crescimento físico dos personagens é um elemento fundamental da história

Claro, nem sempre será possível – e muito menos necessário – contar uma história de forma tão detalhada. Eu não fiz toda essa digressão para tentar insinuar que Hourou é melhor do que qualquer uma das outras obras mencionadas. Antes, ele é apenas o caso que me parece mais interessante. Mas em essência, todas essas obras, com ou sem time skips, entendem algo de fundamental sobre a experiência humana que outras tantas acabam deixando passar por estarem preocupadas com outras questões. E este aspecto é exatamente o que eu mencionei no começo do texto: a mudança vem com o tempo. Uma verdade que, para todos os efeitos, nós talvez estejamos nos esquecendo.

No passado, diversas culturas tinham seus próprios rituais de passagem da infância para a vida adulta. Estes eram momentos de celebração, de festa, mesmo que também de provação. Mas hoje, “crescer” se tornou sinônimo de ansiedade, pressão e sofrimento. Talvez grande parte disso venha de uma cultura cada vez mais acelerada, que espera por resultados do dia para a noite. Mas eles não virão. E não virão em uma semana, ou em um mês. Não se aprende uma nova língua em um dia. Não se torna um mestre de artes marciais após uma semana de treinos. E não se muda completamente toda a sua personalidade em questão de meses. Toda mudança é um processo, e sempre leva tempo. Seria bom se estas histórias sobre crescimento e adequação pudessem nos fazer lembrar pelo menos disso. Que tudo bem estar um pouco perdido. Que tudo bem não entender, ou mesmo não gostar de como as coisas são. Mudanças virão, lenta, mas certamente. Internas ou externas, em uma pessoa ou em toda sociedade.

Em Toki wo Kakeru Shoujo, Mamoru Hosoda nos lembra: “Time Waits For No One”. O tempo não espera por ninguém. O rio segue fluindo. O terreno muda. O presente se torna passado. Mudar é, de certa forma, inevitável. E as histórias sobre o coming of age são, para todos os efeitos, talvez aquelas que capturam essa verdade da forma mais humana possível.

Outros artigos que podem lhe interessar:

O verão enquanto metonímia idealizada da infância.

Digimon Adventure – Crescimento, Amadurecimento e Autoconhecimento.

Review – Kagerou Project (Vocaloid)

Imagens (na ordem em que aparecem):

1 – Toki wo Kakeru Shoujo

2 – Blogosfera Otaku BR

3 – Kino no Tabi, episódio 1

4 – Ansatsu Kyoushitsu / Assassination Classroom, volumes 1, 2 e 3

5 – Hotarubi no Mori e

6 – Ookami Kodomo no Ame to Yuki

7 – Hourou Musuko, volumes 1, 8 e 15

7 comentários sobre “Tempo, mudança e o coming of age.

  1. Tadashi novamente aqui, vindo da publicação no grupo da LB, haha.

    É muito engraçado você ver a publicidade do post de um artigo que cita “Coming of Age” e tem como a imagem guia uma screenshot de Wolf Chilfren, porque esse filme é justamente uma das obras animadas japonesas que mais grita na minha cabeça quando eu penso no termo narrativo.

    Mangás e animes que abordam Coming of Age foram, e ainda são, muito interessantes pra mim. Talvez isso se deva ao fato de eu estar agora com meus 23 anos, e esteja passando por uma certa etapa da vida que me faça espelhar bastante a minha situação com a de certos personagens, senão no contexto, ao menos nas atitudes. Sair da faculdade, começar a trabalhar em sua área e pensar em como vai ser sua vida adulta é algo que vivencio na pele; e é muito bom ver isso em obras fictícias de mesmo cunho. Não que isso se limite a essa fase da vida, é claro, mas acho que aos seus vinte e tantos anos, é uma boa hora para se parar e pensar no que assiste, e notar o quanto isso o toca por causa de suas próprias vivências.

    Atualmente vejo Shirobako, que também aborda em certos momentos, embora não exatamente o tema principal do anime, as metas de vida das personagens principais, bem como de muitos coadjuvantes. E isso me toca bastante, porque vemos o crescimento emocional e profissional das personagens na pele, e todos os conflitos que isso possa gerar. Wolf Children é um filme um tanto longo, mas o fato de vermos praticamente uma década e meia pra mais da vida dos protagonistas, faz tudo ficar ainda mais imersivo. Sentimos as decisões e as atitudes dos personagens alterarem seu caráter, não bruscamente, mas ao longo de anos. E isso é bem legal.

    Dava pra passar um bom tempo comentado sobre tudo isso, mas eu só finalizo dizendo que o post está super legal, e aborda um tema bem interessante do ponto de vista de alguém que adora estudar elementos narrativos. (Ps. Só tinha lido outro texto da tag IMO, o “Antigamente era melhor?”, devo dar uma passada por outros textos quando sobrar mais tempo, os títulos são chamativos pra mim, haha)

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    • Olá de novo xD

      23 anos aqui também, recém saído da faculdade, então entendo bem o que você quer dizer por acabar se identificando bastante nesse tipo de história rs. Não digo que o coming of age seja um gênero q eu pegue pra ver com muita frequência, mas quando bem feito ele é definitivamente algo que mexe um pouco comigo também. Tom Sawyer, que menciono no texto, é um bom exemplo disso, e outro mais recente seria o anime Kanojo to Kanojo no Neko, 4 episódios de 7 minutos, mas que souberam contar uma excelente história, e bem ou mal eu consigo me identificar bastante com a protagonista em alguns pontos rs.

      Sobre Ookami, eu tenho lá minhas ressalvas com o anime, e apesar de achar um filme legal não consegui achar tão imersivo. Mas em todo caso, a forma como ele consegue comprimir tantos anos da vida desses personagens em duas horas é algo certamente bem interessante, do ponto de vista narrativo no mínimo xD Mostra bem como é possível contar uma história longa em um tempo relativamente curto, algo que Hotarubi também conseguiu fazer bem, não sei se já chegou a ver.

      Em todo caso, legal que gostou do texto xD. E fique a vontade para ler outros quando puder ^^.

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  2. Não tenho dúvidas de que os jovens de hoje em dia sejam mais propensos à ansiedade quanto ao futuro do que os de antigamente. Mas não acredito que isso tenha a ver com uma vida “acelerada”. Em muitos casos acontece bem o contrário, não é? Você e o Tadashi aí acabam de comentar que terminaram a faculdade agora – com VINTE E TRÊS anos. Nos “tempos simples” de antigamente vocês já teriam família constituída. Teriam sua cerimônia de coming of age entre os 12 e os 16 anos, dependendo da civilização em que vivessem, se casariam pouco depois (provavelmente com quem seus pais escolhessem) e trabalhariam no que a sociedade ordenasse que trabalhassem. No geral, apenas seguiriam a profissão de seus pais, e isso estaria tão predeterminado desde o momento do nascimento que ao invés de uma educação formal generalista, como a que temos hoje, vocês começariam a ajudar nas tarefas do lar e depois no trabalho dos pais tão logo tivessem capacidade física e intelectual para tanto. Somos mais angustiados hoje porque não lidamos (nós seres humanos) bem com escolhas. Por isso messias, profetas e salvadores, religiosos e seculares, sempre fizeram sucesso. Mas o mundo da forma como ele é hoje é definitivamente melhor.

    O seu artigo em si está muito bem desenvolvido. Gostei da estrutura que entra no assunto devagar, de forma que só não é didática porque não pega na mão e não ensina o beabá, mas ficou bastante leve e fácil de entender – tanto o conceito tratado quanto a sua opinião, o que é justamente a razão de ser dessa coluna.

    Além da questão humana para a qual já escrevi um longo parágrafo, minha única outra objeção é a inclusão de Wolf Children como um anime do gênero. Ele não é sobre coming of age, ele é sobre parenting e a história acaba exatamente quando as crianças atingem o coming of age, sem no entanto aprofundá-lo, explicá-lo melhor ou mostrar suas consequências mais duradouras. Talvez por isso você tenha se frustrado um pouco; apesar do nome do filme (original) trazer os nomes das crianças, o filme é sobre a mãe. Mas tem sim um componente sobre coming of age que pode ser analisado como tal, naturalmente =)

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    • A questão da aceleração do tempo é uma bem difícil de responder rs. Enquanto sim, de fato antigamente a passagem para a vida adulta seria bem mais cedo, e muito se fala hoje (acho nos campos da psicologia e sociologia) de uma adolescência cada vez mais estendida, as noções de tempo em si, hoje, parecem ser mais aceleradas do que o eram no passado. Em outras palavras, nós parecemos perceber o tempo, hoje, como mais acelerado do que os nossos ancestrais percebiam, o que é algo que faz bastante sentido. Vivemos uma época acelerada. Você pode tomar um avião e estar do outro lado do mundo em questão de horas, algo que antes levaria meses ou anos. Comunicação é praticamente imediata, e se antes cartas podiam levar meses para serem entregues, hoje e-mails chegam em segundos. A passagem do trabalho manual, onde o produtor tinha controle sob seu próprio ritmo de produção, para o trabalho fabril e industrial, onde quem dita o ritmo é a máquina, é outro ponto levantado como algo que acelerou o nosso tempo. Então enquanto eu concordo que falei besteira em não comentar sobre como a passagem para a vida adulta em si vem cada vez mais tarde, ainda acredito que vivemos um tempo acelerado onde se espera mudanças rápidas (o que parece paradoxal, até, mas faz bastante sentido) xD

      E sobre Ookami, de fato, ele é uma história de parenting e a protagonista ali é a Hana. Eu coloquei ele mais pela questão do tempo, mas talvez devesse ter buscado outro exemplo rs. Em todo caso, ainda que não seja uma história ->de<- coming of age é como você diz, ele tem elementos do coming of age, a exemplo de todo o arco do Ame, no caso. ^^

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      • Ah, eu deveria ter sido mais específico, desculpe. Sim, vivemos tempos velozes, sem dúvida, mas não acredito que seja por isso que sejamos mais angustiados. Sim, querem resultados rápidos de nós quando vamos trabalhar (e para muitas pessoas o coming of age corresponde ou coincide com a época em que começam a trabalhar), mas antigamente, como eu escrevi, crescíamos já nos preparando para o trabalho, e hoje em dia não. Nem sabemos no que queremos trabalhar – temos opções! Isso é angustiante, isso cria uma dificuldade que não existia antes. A cobrança por resultados ou a frustração por não conseguir fazer o que gostaria é algo que vem depois – e nem seria tão ruim se já não fôssemos tão angustiados para começo de conversa.

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      • Ah sim, concordo. A possibilidade de opção é um conceito bem novo e de fato criou alguns problemas. Por isso digo que o tempo acelerado é talvez um dos fatores que levam à angústia, não o único (embora pensando bem acho que foi mesmo erro meu dizer que “grande parte” da angústia vem do tempo acelerado, passou a impressão errada que é o principal ou mais importante fator, o que não acho que seja bem o caso. Não acho q a importância desse fator seja diminuta, mas também não da pra dizer que é O principal fator. Erro meu na hora de escrever rs)

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  3. Adorei o post. Admito que quando sugeri a ideia da corrente de artigos no blogosfera otaku eu esperava muito mais ler textos assim do que reviews, não que reviews não tenham seu valor, muito pelo contrário, mas textos como esse IMO são diferenciais.

    Sobre o tema, acredito que uma obra que traduz para mim também esse termo muito bem e que quando eu a acompanhei, conversou muito comigo foi Honey & Clover. Essa obra apresenta um dos períodos da vida em que provavelmente você mais amadurece, inclusive você às vezes é forçado a isso. pois, como foi muito bem lembrado, o tempo não espera por ninguém e todos vão ser adultos um dia. Todo mundo terá de lhe dar com problemas que vão além de qualquer preparo, seja um romance mais adulto e muito mais complicado, seja a necessidade de conseguir um emprego, ou seja a necessidade de desistir. Muito se fala sobre não desistir nunca, mas muitas vezes você tem que seguir a diante e isso pode significar deixar algo de lado.

    Existem várias outras obras que poderiam ser citadas, tanto animes quanto mangás, cada uma com suas peculiaridades, mas em todas o amadurecimento é o ou um dos pontos principais. Obras tão diferentes como Major, Planetes, Sekai no Monshou tem algo em comum, o amadurecimento. E não é um amadurecimento qualquer, mas algo que faz com que cada um de nós amadureça um pouco também ao acompanhá-las,

    Enfim, não quero me alongar muito. Parabéns e obrigado pela excelente leitura.

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