
Shinseiki no Evangelion (ou Neon Genesis Evangelion), é facilmente uma das mais importantes franquias da animação japonesa. Gostemos ou não do anime enquanto obra, fato é que o seu impacto na mídia não pode ser subestimado. Infelizmente, o que também não pode ser subestimado é o quão horrivelmente mal compreendida a obra foi. Não é nenhum segredo que Hideaki Anno, diretor do anime, pretendia que o mesmo fosse uma forte crítica ao otaku recluso da época, mas a quantia de dakimakura da Ayanami Rey ainda hoje a venda mostra que a capacidade interpretativa dos otakus japoneses não está muito mais longe que a do brasileiro médio.
Mas meu cinismo de lado, sobre o que é Neon Genesis Evangelion? Para os poucos que talvez nunca tenham ouvido falar nesse anime, uma produção original do estúdio GAINAX de 1995, a história começa quando Ikari Shinji é chamado por seu pai, Gendou, para as instalações da NERV. O foco da agência é o combate aos Angels, misteriosos seres imensos que começaram a aparecer no Japão, e para ajudar nessa luta Shinji precisará pilotar o gigantesco robô conhecido como Evangelion (ou EVA, para encurtar).
Acontece que longe de ser uma trama inocente sobre salvar o mundo, o anime acaba por trabalhar muito mais a psique dos seus personagens e o quão horrivelmente perturbados são todos eles (menos o pinguim, aparentemente). Justamente por conta disso, a obra foi – e ainda é – bastante recebida como uma história altamente cínica e depressiva, mas eu não acho que tal descrição realmente a faz justiça. Deixo aqui o aviso de spoilers, e vamos então conversar porque eu vejo Neon Genesis Evangelion como uma história, essencialmente, otimista.

Eu falo isso sobretudo com base em dois momentos da série: o final do anime original e o final do filme Shinseiki no Evangelion Gekijou-ban: Ea/Magokoro o, Kimi ni (ou The End of Evangelion), e se você ignorou meu aviso de spoilers no parágrafo anterior considere esta a sua última chance.
Cada um desses dois momentos, o final da série e o final do filme, mostra um otimismo em dois níveis diferentes: aquele da pessoa para consigo mesma e aquele da pessoa para com a sociedade, respectivamente, ambos intrinsecamente ligados à figura do personagem Ikari Shinji. O que me parece um bom momento para dizer: as pessoas odeiam o Shinji bem mais do que ele merece. Não entendam mal, eu não gosto de praticamente nenhum personagem desse anime, mas o Shinji é certamente dos males o menor.
É interessante apontar como a imagem que se consolidou do personagem é aquela dele sentado em uma cadeira, visivelmente abatido e deprimido. O que faz bastante sentido, não apenas por ser um adolescente de 14 anos com o destino de toda a humanidade nos ombros, mas também por ser um que já começa a história com um claro complexo de inferioridade, este provavelmente advindo do fato dele ter sido praticamente abandonado pelo pai ainda criança.
Mas para o quão assertiva é essa imagem, é também certo o quanto ela muda. “Eu me odeio, mas talvez seja possível eu me amar”, é uma das últimas falas do personagem ao final do 26º episódio. E encerrar nessa nota importa!

Mas vamos nos voltar agora para o final do filme. Detalhes de lado, o final traz à tona o ponto central do anime, que também havia aparecido no final da série: isolamento versus sociedade. O tema é sobretudo ilustrado no dilema do ouriço, que em si mesmo é uma alegoria para como as relações entre pessoas podem ser benéficas, mas também dolorosas. Precisamos dos outros para sobreviver, mas aceitar se relacionar com os outros é também aceitar ficar pelo menos um pouquinho indefeso.
Da realização desse fato, alguns decidem se excluir da sociedade. Uma parcela pequena o faz de modo praticamente patológico, como os hikikomori do Japão. Mas uma parcela bem maior o faz de uma forma muito mais socialmente aceitável, mantendo com os outros apenas um contato mínimo, escolhendo se isolar não fisicamente, mas emocionalmente. Que é basicamente a distância da qual Neon Genesis Evangelion realmente fala: ninguém no anime simplesmente se tranca no próprio quarto, exatamente, mas todos mantém seus sentimentos guardados para si, Asuka inclusive mascarando a própria fragilidade com um exterior de confiança.
Esse isolamento ganha uma forma bastante material ao final tanto do filme quanto da série para a TV. Com o projeto da Instrumentalidade Humana sendo levado a cabo, Shinji se vê em um mundo ilusório, mas perfeito, algo que bem poderia ser visto como uma alegoria para aqueles otakus que mais preferem o conforto dos mundos fictícios à dureza da realidade concreta. Nesse mundo, Shinji tem sua família intacta, seus amigos vivos e felizes, e num geral uma vida normal. E nisso ele escolhe sair dali.

A mensagem final que Neon Genesis Evangelion nos trás é a de que a realidade, por mais dura que ela seja, ainda vale a pena ser vivida. E a de que o encontro com o outro ainda é algo essencial para o ser humano. O que talvez explique porque logo Shinji e Asuka parece re-emergir daquele suco de laranja que virou a humanidade. Enquanto isso pode trazer o imagético de Adão e Eva, é também interessante apontar que Shinji e Asuka são praticamente completos opostos. Ele é um homem, ela uma mulher. Ele é introvertido, ela extrovertida. Ele é passivo, ela é ativa. Um não poderia ser mais “outro” do que o outro.
Não entendam mal. Como uma leve provocação, podemos nos questionar até que ponto tal mensagem é realmente válida. Diante de uma realidade demasiado dura, é mesmo errado se deixar imergir em outra mais confortável, assumindo que não se torne algo patológico? É uma pergunta que fica no ar, e para a qual cada um terá a sua própria resposta, a meu ver nenhuma realmente mais válida do que a outra.
Mas enquanto a mensagem de Neon Genesis Evangelion pode ser debatida, segue o fato de que ela nunca chega a ser pessimista. O ódio a si próprio pode se converter no amor a si próprio, e a rejeição à realidade pode se converter na aceitação desta realidade. Você importa, e o mundo no qual você vive também importa. No fim do dia essa é a ideia que eu tiro da série. Série esta que é agridoce, com toda certeza, e um pouco cínica, talvez, mas ainda assim, essencialmente, otimista.
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Imagens (na ordem em que aparecem):
1 – Neon Genesis Evangelion, episódio 26
2 – Neon Genesis Evangelion, episódio 26
3 – Neon Genesis Evangelion, episódio 26
4 – The End of Evangelion
Que texto maravilhoso! Parabéns! Por enquanto, posso apenas te elogiar, pois ainda não assisti Evangelion, coisa que farei imediatamente. Quem sabe, quando eu terminar, seja possível darmos início à uma boa discussão sobre tal obra.
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Texto muito bom, Parabéns Diego.
Esse final do filme de Evangelion me bugou completamente, eu até cheguei a pensar nisso que você comenta, mas logo descartei, pois e uma obra dos anos 90 e tudo mais. Mas lendo esse seu texto Diego percebi que estava enganado, alias e como dizem Evangelion estava afrente do próprio tempo.
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:)
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