Vamos falar sobre representatividade?

Ansatsu Kyoshitsu // Ensaio 18/03/2016 // 1
É, eu sei, mais um texto sobre esse assunto na internet. Mas leia um pouco antes de julgar, por favor.

Antes de mais nada é preciso deixar algumas coisas bem claras, sobretudo porque já imagino alguns leitores revirando os olhos apenas de ler o título deste texto. Assim sendo, em primeiro lugar quero deixar bem explícito que o que direi abaixo é a minha opinião. Não a opinião de um grupo, movimento, partido ou o que for: apenas minha. Não estou dizendo isso para tentar me “proteger” com aquele velho discurso de “é apenas a minha opinião, respeite”, e eu completa e totalmente incentivo o debate. Se você acredita que falei alguma bobagem, se discorda do que lê e deseja contra-argumentar apontando onde minha lógica falha, por favor, sinta-se a vontade para fazê-lo. Quando eu digo que é a minha opinião, o que eu quero dizer é na verdade um pedido para que não julguem o que irão ler com base em qualquer ideia pré-concebida sobre qualquer um dos N movimentos que atualmente se fazem presentes sobretudo na internet, sejam estas ideias boas ou ruins. Julguem o texto apenas pelo que está escrito nele, não pelo que vocês acham que talvez quem sabe é possível que esteja nas entrelinhas, e não assumam a minha posição sobre um dado assunto a menos que eu a explicite com todas as letras. Eu não me associo com nenhum movimento, ainda que talvez possa simpatizar com esta ou aquela causa ou com este ou aquele argumento, mas só.

E eu vou dizer agora, até para que aqueles que continuarem a leitura tenham alguma noção do que vem pela frente: sim, eu acredito que seria interessante que houvesse uma maior representatividade de certos grupos na mídia, e ao longo do texto eu tentarei explicar essa minha opinião e como ela se aplica à ficção. Serei o primeiro a reconhecer que essa questão vai, sim, muito além de quadrinhos e séries de televisão, e que existe bastante discussão por ai sobre a representatividade de alguns grupos em certas profissões, na política, na economia, e por ai vai. Mas eu não vou entrar nessas questões, não apenas por não me julgar qualificado para discutir esse assunto com a devida profundidade, mas também porque quis me manter atento à proposta deste blog. Aqui é um espaço para falar de animes, mangás e questões relacionadas a esse universo “otaku”, então prefiro que meus textos se foquem nisso. E feito esse aviso, vamos ao texto. Mas antes de entrarmos exatamente nos meus argumentos para ser a favor desta questão, vamos primeiro delinear um pouco melhor o que é todo esse debate sobre representatividade, até para ter certeza de que todos entendam bem o que é que motiva toda a discussão envolvendo o tema.

Jinrui wa // Ensaio 18/03/2016 2
Podemos prosseguir sem ninguém puxar tochas e tridentes? Sim? Ok, então vamos lá.

Tentando ser o mais sucinto possível, o argumento normalmente usado por aqueles que criticam a falta de representatividade na mídia é o de que personagens da ficção tendem a apresentar certas características que são representativas de (ou dizendo de outra forma, que estão presentes em) apenas um grupo populacional dentre os vários que podem existir em um país ou região. Por exemplo, uma vasta maior presença de personagens de tez branca, mesmo em países com uma população negra ou parda bastante alta. Ou o fato de quase não encontrarmos personagens homossexuais ou transexuais. Contudo, o argumento não se limita apenas à presença ou ausência de certas características, como também aponta para possíveis má representações de um grupo. Por exemplo, é aqui que cai o argumento de que as mulheres assumem, normalmente, um papel secundário em muitas obras de ficção; ou ainda é também onde cai o argumento de que as mulheres são extremamente sexualizadas em certas obras, existindo ali quase que puramente para fins de fanservice para os homens. É também onde cai o argumento do estereótipo, que ai já é mais um debate do que realmente algum tipo de consenso entre os críticos: afinal, uma minoria aparecer de forma estereotipada em uma obra é melhor ou pior do que não aparecer? E, finalmente, é também aqui que cai a questão dos “padrões de beleza”, de como os personagens, homens e mulheres, aparecem quase sempre como esguios, musculosos, bonitos, com atributos físicos exagerados, e por ai vai. E honestamente falando: eu acho que seria muito difícil contrariar a ideia de que certos atributos estão mais presentes (ou seja, mais representados) do que outros, ao menos dentro das obras de ficção.

E claro, certamente haverá aqueles leitores que se lembrarão deste ou daquele personagem que foge ao padrão que descrevi acima. Sem problemas. Tente então fazer o seguinte exercício: pense em todos os personagens de animes negros que você conseguir; uma vez que terminar, pense em todos os personagens brancos. Digamos que você vai levar um tempinho para terminar esta segunda lista… Embora, é verdade, um pedido assim talvez seja um pouco injusto. Todos sabemos que existem poucos negros no Japão (tanto que eu nem se quer consegui achar dados da porcentagem de negros no país), e muitos asiáticos podem passar a vida sem ver um negro que não pela televisão. Então vamos mudar um pouco a direção: você vê mais protagonistas masculinos ou protagonistas femininas nos animes? Sim, é uma discrepância muito menor do que aquela referente à cor de pele dos personagens, mas ainda assim existe uma discrepância ai, com a quantia de protagonistas masculinos sendo substancialmente maior que a de protagonistas femininas. E no final, é aqui que se encontra todo o ponto do argumento: menos que uma completa ausência de representatividade (embora isso era certamente o caso, para alguns grupos, até algumas décadas atrás, em algumas mídias), o problema descrito aqui é o da disparidade da representação, onde o personagem é muito mais propenso a ter um determinado “set” de características do que de outras. Em outras palavras, existe um número absurdamente maior de personagens portando certas características do que personagens portando outras, e por isso se usam termos como “super-representado” (para os primeiros) e “sub-representados” (para os segundos).

Ghost in the Shell // Ensaio 18/03/2016 3
Não é uma questão de presença ou ausência. Protagonistas femininas, por exemplo: existem ótimos casos (vide a Major), mas a quantia de protagonistas homens é claramente maior, ao menos nos animes.

E eu certamente sei o que alguns dos leitores devem estar pensando no momento: “e daí?” “Quem se importa?” “Por que eu deveria dar a mínima para isso?” O que são, sinceramente, perguntas válidas. E que poucas vezes são feitas. A maioria dos que tratam desse assunto parecem considerar essa pergunta quase um tabu, ou assumindo que todos já reconhecem a importância da questão, ou então assumindo que ela não tem realmente importância nenhuma. Como eu prefiro não assumir nada, vamos dedicar algum tempo a essas perguntas.

Para tanto, seria de alguma ajuda se o leitor pudesse, antes, dar uma lida no meu texto “é só um desenho“, pois daria um contexto muito mais apropriado ao que direi aqui. Contudo, se o leitor não pode ou não quer fazê-lo, fiquemos aqui apenas com um quote do último parágrafo daquele texto, que de certa forma sucinta bem não apenas o que posso dizer deste assunto em particular, bem como a forma como vejo a ficção em um geral:

“O ponto é: histórias tem mais poder do que as pessoas tendem a creditar-lhes. Reforçam comportamentos. Incentivam comportamentos. Influenciam em nossas visões de mundo. E se não aceitarmos essa possibilidade, se não tivermos ciência de que somos todos ao menos um pouquinho influenciáveis, podemos acabar nem percebendo o quanto já estamos sendo. Ou, ainda pior, podemos nos ver à mercê daqueles que entendem muito bem o real potencial que esse tipo de obra pode ter. Pois existe um bom motivo para a Inquisição ter queimado diversos livros, e é o mesmo motivo que levou à censura prévia de praticamente tudo durante a nossa ditadura militar, ou à padronização de certos cânones no cinema soviético da comunista URSS. Arte é uma forma de transmissão de informação como qualquer outra. E nós devemos ser sempre críticos com o tipo de informação que estamos recebendo.”

Nós, enquanto seres humanos, temos sempre uma experiência subjetiva da realidade. Claro, desenvolvemos mecanismos para tentar diminuir essa subjetividade ao máximo, não a toa a replicabilidade de um experimento é um dos principais pilares para ele ser considerado científico. Mas não estamos falando de cientistas. E nem de experimentos para entender as leis naturais. Pensemos apenas no cidadão comum, que leva a sua vida entre o trabalho ou a escola e a casa ou o shopping. Para estas pessoas, a vasta maioria das pessoas, sua opinião sobre o mundo virá a partir daquilo que ela vê, seja em primeira pessoa, seja em alguma notícia de jornal, em algum documentário, ou, obviamente, em algum filme, seriado ou desenho. Claro, não vou de forma nenhuma propor uma visão determinista da coisa, na qual se pessoa viu um filme qualquer no qual, digamos, não tinha um negro, ela vai automaticamente passar a achar que negros não existam, ou algo do tipo. Mas para entender o que eu quero dizer, muito mais útil é um exemplo. Então gostaria que pensasse, rapidamente, em uma questão: qual você acha que é a porcentagem de negros nos Estados Unidos? Tome alguns segundos para pensar em uma resposta, antes de prosseguir.

Durarara // Ensaio 18/03/2016 4
Quase onipresentes nas televisões americanas, personagens negros são uma raridade nos animes. É porque existem poucos negros no japão? Isso certamente tem seu papel, mas repare na quantia de negros nos EUA.

Segundo o censo de 2010, o número de cidadãos americanos que se declararam negros, em porcentagem, foi de 12,6%. Se você achou esse número um tanto quanto baixo, eu certamente não o culparia. Personagens negros são uma constante em filmes, quadrinhos, seriados… Qualquer um que consuma uma quantia relativamente grande de produtos de ficção vindos dos EUA possivelmente acreditava que a porcentagem seria pelo menos um pouquinho maior. Esse é o impacto que a ficção pode ter nas pessoas. Qualquer coisa que seja: quanto mais nos é familiar, mais nos parece, no mínimo, algo que não podemos mudar (um excelente exemplo do tipo é a violência. Somos expostos a ela de tantas formas diferentes, em tantas mídias diferentes e com tantas visões diferentes que certamente existe nas pessoas um sentimento de que a violência simplesmente faz parte do nosso cotidiano, e que não há realmente muito o que podemos fazer a respeito). O familiar é o “natural”, o “padrão”, o “normal”. Por oposição, “anormal” é tudo aquilo que não nos é familiar. Se uma cadeira começar a levitar sozinha do seu lado você certamente achará isso anormal, pois não é algo que se vê na vasta maioria dos casos.

É por isso que a representatividade seria importante: para ajudar a passar a mensagem de que não existe apenas um comportamento, tipo físico ou conjunto de características que são “normais”. Ou, em outras palavras, se as pessoas forem expostas o bastante a algo fora do padrão, eventualmente elas possivelmente começarão a ver aquilo como também sendo padrão. Talvez não venham a gostar ou a aceitar aquilo, mas pelo menos veriam como algo normal. E claro: a intenção de mostrar que o menos comum é, também, normal, não significa que se deseje o fim do mais comum. Um exemplo prático, já que todo esse parágrafo ficou um pouco confuso: uma maior representação de personagens homossexuais nas mais variadas mídias poderia ajudar a quebrar o estigma da homossexualidade como não-natural ou “anormal”. Isso não significa querer o fim dos personagens heterossexuais, não significa nem mesmo exigir uma quantia plenamente igual de ambos os tipos: significaria apenas pedir uma quantia maior do que zero, que é praticamente o que havia até algumas décadas atrás.

Paranoia Agent // Ensaio 18/03/2016 // 5
A mídia tem mais influência sobre a nossa visão de mundo do que alguns percebem. Nossas opiniões, posições, preocupações, são quase sempre pautadas pelo que vemos, lemos e ouvimos.

Aliás, acho que posso aproveitar este ponto para passar a um outro argumento bastante usado quando se critica a ideia de que seria bom haver uma maior representatividade de outros grupos sociais: o argumento de que estão querendo “forçar” algo garganta abaixo das pessoas. Sobre isso, eu gostaria que vocês considerassem a seguinte visão: meio que já estão forçando um monte de coisas garganta abaixo, você só não se deu conta ainda.

Um exemplo bastante simples: romance. Já reparou como a vasta maioria das obras de ficção terminam em um romance entre um homem e uma mulher? Mesmo que isso não faça o menor sentido? Tipo aquela clássica situação do casal que se conhece há alguns dias (às vezes algumas horas!), mas passam por algum evento traumático que faz os dois terminarem perdidamente apaixonado. Ou aqueles vários casos de um casal divorciado que passam por algum tipo de desastre e decidem reatar o casamento porque sim. Ah, não vamos esquecer os vários animes haréns que existem por ai, onde por vezes saber com qual garota o protagonista irá ficar parece mais importante para o autor do que, digamos, a destruição de todo o planeta ou algo do tipo. E detalhe: não importa o gênero. Fantasia, ação, aventura, suspense, mistério, terror: na vasta maioria dos casos, obras de ficção acabam tendo um casal ao final. Isso é mesmo necessário? Muitas vezes, não. É sempre uma parte crucial e relevante à história? Não, e muitas vezes ainda age como distrativo da trama principal. É possível fazer uma boa história sem um elemento de romance? Sem dúvida nenhuma. Mas ainda assim, a maioria das pessoas não vê a presença de romance nas obras de ficção como algo “forçado”, e isso por um motivo bem simples: estão acostumados. Ter um casal hétero que fique junto no final é simplesmente… “normal”. É o padrão, o comum, o familiar.

Sword Art Online // Ensaio 18/03/2016 6
Não apenas os animes: a grande maioria das obras de ficção atuais tendem a ter um casal hétero que ficará junto no final.

E eu reconheço: o fã de animes até possui um argumento contra a necessidade de uma maior diversidade de relacionamentos na mídia, que é a existência dos gêneros yaoi yuri. “Se você quer ver um casal gay ou lésbico no final, os gêneros estão ali, oras”, alguns poderiam argumentar. Bom… Digamos que o problema começa no fato de que yaoiyuri são boas representações de relacionamentos homo na exata mesma medida que Naruto é uma boa representação dos ninjas, mas vou falar mais disso quando entrar na questão dos estereótipos. Por hora, apontaria o seguinte: ainda que existam estes gêneros, permanece a disparidade de combinação com outros gêneros. Explicando melhor: qual foi o último anime yaoi de fantasia e aventura que você tenha pelo menos ouvido falar? Que tal então o último yuri de ficção científica? Um yaoi de suspense ou terror, talvez? Última pergunta: se eu pedir um anime de fantasia, aventura, ficção científica, suspense ou terror que termine com um casal hétero, você saberia listar? Ai fica mais fácil, né?

Enquanto eu de forma nenhuma nego que os animes e mangás estão anos luz a frente de outras mídias em termos de pelo menos mostrar toda sorte de relações humanas possíveis, por vezes  yaoi e o yuri agem mais como uma restrição do que qualquer outra coisa. Acaba que a maioria das obras do tipo se centram no relacionamento entre seus ou suas protagonistas, indo mais para o lado do romance do que de qualquer outro gênero existente. Ao passo que ainda que existam obras de romance hétero focadas exclusivamente no romance entre os personagens principais, casais hétero por si só são uma constante em praticamente todos os outros gêneros, o que cria uma óbvia disparidade. E claro, alguém poderia dizer que não é isso o que as pessoas querem ver. Que quem consome obras com yaoi ou yuri não querem ficção científica, ação ou coisa do tipo, ao passo que os que consomem esses outros gêneros preferem casais hétero. Contudo, é preciso se perguntar até que ponto isso é verdade. Isso por um motivo bem simples: não existem lá muitas opções. O fato é que até alguém assumir o risco de fazer um anime nos moldes que descrevi (ou qualquer outra coisa: filme, quadrinho, seriado, etc.) nós simplesmente não temos como saber se existe ou não um nicho para aquilo. E detalhe: se existe um precedente que parece indicar, na verdade, a existência concreta de um nicho para tanto, seria o mangá, light novel e anime Nº6, um yaoi que se passa em um mundo distópico e que parece ter sido bem recebido.

Shin Sekai // Ensaio 18/03/2016 7
Shin Sekai Yori é também um bom exemplo de como um anime pode pode “encaixar” relacionamentos homossexuais em obras que não aquelas especificamente voltadas para o tema

E se você ainda disse “bom, eu não iria querer ver isso”: perfeitamente justo. Ninguém deve ser obrigado a assistir ao que não quer, e sempre haverão gêneros, demografias ou elementos do roteiro que não apelarão para alguém. Tem gente que não gosta de mechas. Tem quem não goste de ecchi. Tem quem não goste de slice of life. E certamente haveria aqueles que não gostam da ideia de ver um casal gay ou lésbico. Mas é como eu disse: a ideia é adicionar, não remover. É ter uma maior variedade, especialmente em uma época em que tantos reclamam que “acabou a criatividade”. Além disso, certamente existem aqueles que não querem ver romance hétero (ou de qualquer tipo que seja) em uma obra de fantasia, aventura, etc., e nem por isso você vê um forte movimento pedindo o fim do romance ou que este exista apenas em slice of life do gênero romance. E ainda: nada impede de uma obra ter mais de um tipo de relacionamento. Com tantas obras por vezes terminando com dois, três, ou vários casais, por que não um ou outro ser um casal homossexual? E mesmo em eventuais obras cujo casal principal seja gay, nada impede um ou mais casais “extras” de serem hétero. E se mesmo assim você não quiser ver, não precisa: ainda existiriam toneladas de obras variadas mais “tradicionais”. Com eu disse, é uma questão de diversidade. De explorar mais possibilidades do que temos hoje, e de fazer algo diferente, mas sem abandonar o que já existe.

E claro, o mesmo princípio de adicionar variedade vale para toda sorte de outras representações. Por exemplo, que tal uma história de aventura ou fantasia com um protagonista transexual? Ou mais tramas de mistério e ação com mulheres como protagonistas? E se você estiver se preguntando “pra que isso?”, a resposta que eu daria é: e por que não? Porque meio que tudo se resume a esta pergunta: por que não? Qual poderia ser o problema de adicionar uma maior diversidade de temas e de possibilidades àqueles já existentes? Não existe realmente um bom motivo, a não ser a resistência das pessoas em verem algo muito diferente do que estão acostumados (ainda que ninguém seria obrigado a assistir ou ler o que quer que fosse produzido, é sempre bom lembrar disso).

Shin Sekai // Ensaio 18/03/2016 8
Novamente, Shin Sekai é um bom exemplo: ao longo do anime, toda sorte de relacionamentos são mostrados, tanto homo como heterossexuais.

Agora, não entendam mal, eu não quero dizer que toda essa questão não tenha seu lado negativo. Todo e qualquer elemento de uma obra pode ser bem ou mal trabalhado, e algo como a sexualidade, cor de pele ou gênero de um personagem certamente se encaixa nessa dicotomia. Por exemplo, um erro muito comum em obras que tentam ser inclusivas é apenas colocar um personagem com uma dada característica (uma mulher ou um gay, por exemplo) e não fazer absolutamente nada com o personagem, fazendo parece que ele está apenas ocupando espaço na obra. Personagens femininas são especialmente sujeitas a isso, muitas vezes sendo pouco mais que um apoio moral ao protagonista masculino, por exemplo, ao passo que outras vezes nem isso. Ou, ainda, existe o risco de cair no estereótipo. Personagens homossexuais são os que mais sofrem disso, por vezes sendo retratados de forma extremamente exagerada ou afeminada (embora para este último caso eu apontaria que, ainda que seja um estereótipo, existem gays afeminados, e estes merecem tanta representação nas mídias quanto qualquer outro grupo, embora certamente seria bom uma maior variedade de personagens homossexuais em termos de personalidade e forma de agir). É um dos problemas de tentar ser “politicamente correto” e tentar representar um grupo do qual você não sabe nada a respeito de fato. Em fato, na medida em que reforça certos estereótipos, uma representação desse tipo poderia até mesmo ser mais nociva do que representação alguma.

Inclusive, conforme eu mencionei brevemente antes, o próprio yaoi e o yuri sofrem com o problema de serem bastante estereotípicos. Tudo bem que não ao nível “programa de comédia brasileiro” de estereotipia, mas ainda assim reforçam certos estereótipos. Por exemplo, o yaoi é quase sempre o retrato de uma relação entre um homem mais experiente, maduro e dominante com um rapaz um pouco mais jovem, afeminado e submisso. De certa forma, ele não deixa de ser a transposição do ideal de relacionamento hétero japonês para o relacionamento homo. E o yuri então nem se fala, quase sempre animes do tipo retratam relações de forma extremamente fetichistas, e muitas vezes ainda assim mantendo esse status de uma que domina e outra que se submete. Claro, em ambos os casos o que está por trás disso é o público alvo. O yaoi é mais direcionado às mulheres, e o yuri aos homens, então é natural que obras do tipo são estruturadas de forma a apelarem aos seus respectivos públicos-alvo. Só que se você adiciona a isso uma quase que inexistência de animes que tratem de relacionamentos homossexuais de forma não fetichista, acaba que a única referência que as pessoas terão desse tipo de relacionamento é aquela mais romantizada. E se você não vê um problema com isso, imagine que a única referência existente para os ninjas fosse Naruto. Tudo bem para certos grupos, mas a partir do momento que alguém quiser algo mais realista vai se ver a procurar uma agulha no palheiro (que talvez nem esteja ali!).

YuGiOh Zexal // Ensaio 18/03/2016 // 9
Não é difícil encontrarmos personagens femininas “token”, que quando muito servem para dar apoio moral ao protagonista. Kotori, de Yugioh ZeXal, é um bom exemplo.

E aproveitando que estou nessa linha de quando a representatividade pode ser um problema, outro exemplo de mal uso dela seria mudar completamente um personagem apenas com o intuito de o tornar um representante deste ou daquele grupo. Aqui, trata-se de um mal uso pois corre-se o risco de acabar descaracterizando um personagem, ou então por acabar criando um conflito onde até então não existia. Claro, algumas vezes isso pode ser bem feito. Especialmente no ramo dos heróis da Marvel e DC, onde é comum a existência de todo um multiverso com várias dimensões diferentes, bem como é comum que heróis passem a máscara para uma geração mais nova de tempos em tempos, é fácil surgir com uma explicação para um dado herói ser branco e hétero em uma edição e negro e gay na seguinte. O problema é se não for dada uma boa explicação, e a mudança do personagem ficar parecendo brusca e aleatória. Honestamente, isso não seria apenas um mal uso da ideia de representatividade: seria um roteiro deveras preguiçoso, é preciso dizer.

Mas quando bem feita, com a devida naturalidade e cuidado, a representatividade pode estar presente em obras fenomenais. Em Gatchaman Crowds, O.D. é claramente homossexual e afeminado, enquanto que Ninomia Rui é travesti. Mas suas características de sexualidade e gênero não são todo o seu personagem. O.D. é um pacifista que carrega em si a culpa de não ter evitado a destruição de seu próprio povo, e é também o mais forte dentre os Gatchamans. Já Rui é idealista e altruísta, almejando a criação de um mundo onde as pessoas possam ajudar umas às outras. Mesmo uma história que se proponha a tratar especificamente da transexualidade consegue criar personagens tridimensionais e bem desenvolvidos, como é o caso de Hourou Musuko (sobretudo o mangá). Enquanto isso, Kino no TabiJinrui wa Suitai Shimashita e Ghost in the Shell são, respectivamente, uma obra de fantasia introspectiva, uma de fantasia cômica e uma de ficção científica, todas protagonizadas por uma mulher que não termina namorando com alguém. E bem sinceramente: todos estes são animes fenomenaisKino no Tabi é possivelmente o meu anime predileto, e sem sombra de dúvidas a obra mais provocativa e filosófica que já vi. Já Jinrui é uma das melhores comédias que já assisti, e ainda assim consegue ser bastante sentimental quando deseja. Hourou, então, é um mangá que praticamente me fez redefinir o que eu considero como personagens realistas e bem desenvolvidos.

Gatchaman Crowds // Ensaio 18/03/2016 // 10
Quando bem escrito, características como gênero, orientação sexual ou cor de pele são apenas um dos vários traços da personalidade do personagem. Bom exemplo disso é Ninomia Rui, de Gatchaman Crowds

Quando bem feita, a representatividade se torna apenas um elemento na história, que quando muito adiciona uma maior variedade de personagens e situações. Se uma obra for boa, ela será independentemente da cor de pele, gênero, orientação sexual ou identidade de gênero dos seus personagens. E em uma boa obra, estes elementos podem adicionar conflito, profundidade aos personagens, realismo ao universo da obra, entre outras coisas, ao mesmo tempo em que talvez venha a ter um impacto positivo em seus leitores e espectadores, incentivando a tolerância e o respeito ao diferente. Claro, ela pode ser mal aplicada, resultando em personagens rasos, inconsistentes ou inúteis. Mas o mesmo pode ser dito para uma infinidade de outros recursos, tipos físicos e traços de personalidade. E sim, uma maior representatividade precisa vir do autor ou autora. Pois ela exige conhecimento de causa: a pessoa precisa saber escrever personagens que sejam mais do que apenas estereótipos. Se tentar obrigar os autores a colocarem personagens negros, mulheres ou o que for em suas obras, é inevitável que os personagens soarão extremamente artificiais e mal construídos.  Mas autores que queiram adicionar uma maior diversidade aos seus personagens não deveriam encontrar resistência por apenas escreverem o que querem, e quem não quiser ler ou assistir o que a pessoa produziu pode ir ver qualquer outra coisa que tiver para ver.

Eu poderia muito bem encerrar o texto por aqui, pois acho que já deixei claro qual a minha opinião a respeito de toda essa questão. Mas tem uma última coisa que eu gostaria de comentar. Em vários parágrafos eu falei sobre como personagens podem se tornar demasiado estereotípicos e rasos, mas acho que valeria a pena entrar em maiores detalhes sobre como evitar isso. Então vamos lá: como se escreve um personagem mulher, homo, negro ou o que for sem cair em estereótipos, fazendo eles soarem como personagens tridimensionais e bem desenvolvidos?

Gatchaman Crowds // Ensaio 18/03/2016 // 11
Algo que vale a pena mencionar é que a diferença entre o estereótipo e a complexidade pode não ser muito clara a uma primeira olhada. O.D., a princípio, pode soar apenas como um estereótipo de um homossexual afeminado, mas é um personagem bem mais complexo do que apenas isso.

A resposta para isso é mais simples do que se imagina. A ideia é construir a personalidade do personagem antes de pensar em coisas como etnia, gênero ou orientação sexual, de forma que estas características, ao final, serão apenas um traço do personagem. Retomando Gatchaman Crowds, Ninomia Rui funciona como personagem justamente por ter uma personalidade bem definida, sobre a qual suas questões de gênero servem como apenas mais uma camada, não todo o centro do personagem. Assim, Rui possui seus próprios ideais, crenças, objetivos, desejos, cumpre uma função fundamental ao longo da trama, tem conflitos, dúvidas, receios… E, finalmente, se veste com roupas femininas. Obviamente, o que eu disse se torna um pouco mais complicado quando o próprio objetivo da história é tratar de temas como machismo, racismo, homossexualidade, transexualidade e por ai vai. Em casos assim, a obra precisa dar uma maior atenção ao traço que é, afinal, a causa dos conflitos na história (como o protagonista ser negro, ou ser uma mulher, ou ser gay, e por ai vai). Ainda assim, é possível criar personagens complexos e bem desenvolvidos ainda que dando enfoque a esta ou aquela característica, e eu novamente citaria Hourou Musuko (de novo: sobretudo o mangá) como um bom exemplo, onde as questões de gênero são apenas um dos traços da identidade dos personagens, que possuem seus próprios hobbies, personalidades, desejos, conflitos e por ai vai.

É fácil escrever personagens assim? Bom… Não. Mas isso não é um problema inerente a escrever personagens mulheres ou gays ou o que for: é um problema inerente a escrever qualquer tipo de personagem. Criar personagens bem construídos, tridimensionais, complexos, úteis à trama… Muitos costumam apontar como as personagens femininas em certos animes (sobretudo haréns) são genéricas, estereotipadas, mal aproveitadas e tudo mais, mas o exato mesmo pode ser tido para vários protagonistas destes mesmos animes, tão genéricos e mal escritos quanto qualquer garota da obra. Sinceramente, não é uma questão de não saber escrever personagens de tal grupo: muitas vezes é uma questão de não saber escrever personagens e ponto. E sim, eu entendo o argumento de que ainda que mal escritos, os personagens masculinos são retratados em uma situação de superioridade em relação às personagens femininas, sendo mais fortes, fazendo elas se apaixonarem por ele sem nenhum motivo aparente e tudo mais. Mas, em primeiro lugar, isso muito se deve ao público alvo da história, da mesma forma que em animes mais direcionados às mulheres não é incomum encontrarmos personagens masculinos mal escritos e que se apaixonam pela protagonista sem qualquer razão. E, em segundo lugar, isso não muda que os personagens continuam mal escritos, pouco importa qual a posição que ocupam na trama.

Hourou Musuko // Ensaio 18/03/2016 // 12
Hourou Musuko é um ótimo exemplo de como criar personagens complexos e tridimensionais que também pertencem a alguma minoria.

Acredito que com isso já falei tudo o que poderia sobre o tema. Sinceramente, se uma maior diversidade de personagens puder trazer ao que quer que seja (filmes, animes, quadrinhos, seriados, jogos, etc.) uma maior diversidade de situações, conflitos, interações, objetivos e por ai vai, eu não consigo ver como uma coisa ruim. Por isso já disse desde o início que seria a favor de termos uma maior diversidade de representações nas mais variadas mídias. Claro, eu reforço, isso não significa fazer personagens estereotipados, mal desenvolvidos e inúteis apenas para “cumprir cota”. Mas considerando que personagens mal escritos já são praticamente rotina de qualquer jeito, uma maior diversidade de representações certamente não vai piorar a situação. E se uma maior liberdade para tratar dos mais variados tipos de personagens nos trouxer mais animes como Gatchaman Crowds ou Hourou Musuko, eu definitivamente apoio a ideia.

Imagens (na ordem em que aparecem):

1 – Ansatsu Kyoshitsu (Assassination Classroom), episódio 5

2 – Jinrui wa Suitai Shimashita, episódio 2

3 – Ghost In The Shell – Stand Alone Complex, episódio 1

4 – Durarara, episódio 1

5 – Mousou Dairinin (Paranoia Agent), episódio 13

6 – Sword Art Online, episódio 25

7 – Shin Sekai Yori, episódio 8

8 – Shin Sekai Yori, episódio 8

9 – Yu-Gi-Oh ZeXal, episódio 1

10 – Gatchaman Crowds, episódio 4

11 – Gatchaman Crowds, episódio 4

12 – Hourou Musuko, episódio 1

13 comentários sobre “Vamos falar sobre representatividade?

  1. Também acho uma boa ideia a adição de mais diversidade aos personagens, mas o importante é analisar porque isso não é feito. Bom, é bem obvio que o mercado responde aos incentivos dos consumidores e atualmente é ridículo o incentivo para a produção desse tipo de obra. As pessoas não querem isso, então simplesmente não é produzido. O mercado não é machista, racista ou qualquer um desses ‘istas’, na verdade, o foco é ganhar dinheiro e se produzir essas obras for o que trará dinheiro, então é o que será produzido. Eu não tenho interesse por animes com relacionamentos homossexuais, assim como não tenho por animes de esporte, mas, se me apresentassem um anime bom do gênero, eu com certeza daria uma chance, assim como fiz com Haikyuu!! Estou tentando dizer que as pessoas que tem interesse que isso aconteça não são muitas vezes consumidoras dessas mídias, ficam apenas no facebook falando da importância da representatividade, enquanto isso Sense 8 é cancelado por ter pouco público, ou seja, muitos são apenas hipócritas.

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    • Eu entendo o seu ponto, mas sua lógica possui 2 falhas fundamentais. A primeira delas sendo a noção de “não tem incentivo no mercado”. Como eu apontei no texto, isso é MUITO complicado de se afirmar, e no final do dia é apenas puro achismo. Sem obras do tipo sendo lançadas não temos como medir se elas são ou não desejadas, simples assim. Mas, curiosamente, quando temos um raro caso de uma obra do tipo saindo, a recepção pode ser bem positiva. Yuri On Ice, do ano passado, foi um verdadeiro fenômeno global, um dos animes mais populares de 2016: com um casal gay como protagonista. Para mim, parece que há sim um mercado, ele só não foi devidamente explorado ainda.

      E a segunda falha é comparar a situação dos animes com a de séries da netflix. São situações completamente diferentes em vários sentidos, mas talvez o maior deles seja o de que animes NÃO são voltados para o grande público. A vastíssima maioria são obras de nicho, especificamente para otakus japoneses, e do que sobra ainda tem um bom número de obras infantis, para propagandear algum brinquedo para as crianças. Nesse sentido, animes não precisam agradar a um número lá muito grande de gente: basta que quem ele agrade gaste dinheiro com ele. Diferente de uma série da Netflix, que custa muito mais para ser feito e precisa dar em retorno o maior número de visualizações possíveis.

      Em fato, justamente por esse último ponto eu diria que se existe uma mídia na qual a representatividade poderia funcionar é justamente nos animes. Porque por mais de nicho que seja a obra, se ela conseguir uma fanbase dedicada, aqui ela consegue prosperar, e pode abrir caminho para outras semelhantes. Basta olhar, por exemplo, como o sucesso de Monster Musume fez surgir outros animes de monster girls, como Demi-chan wa Kataritai e aquele sobre o dia a dia de uma centauro que deve sair ainda esse ano. 5 anos atrás, provavelmente a maioria riria da ideia de que um anime sobre garotas monstros pudesse ter um público cativo o bastante parar ser lucrativo, mas o formato deu certo e gerou sucessores, e nada impede que algo de semelhante ocorra com questões de representatividade.

      Eu concordo que “o mercado”, essa entidade abstrata muito pouco definida, não é machista, racista e tudo mais. Mas é às pessoas dentro desse mercado que cabem tomar riscos, na esperança de dar ao consumidor algo que ele nem sabia que queria: e nisso consolidar um nicho próprio de lucro. E, felizmente, os animes vira e mexe fazem isso. Talvez, com o devido tempo, vejamos sair mais obras que tragam uma maior representatividade à mídia, e ai sim vamos poder analisar de verdade se isso tem ou não o seu público.

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      • Sobre a existência de incentivo, não é necessário que uma obra seja lançada para saber se há ou não público. Na verdade, dificilmente isso ocorrerá, o risco de ter prejuízo chutando que há público é muito grande, não compensando arriscar, pois mesmo que venda dificilmente terá número tão expressivos para valer a pena o risco. Meu ponto é que o simples fato de terem poucos desses animes já demonstra que não existe um grande incentivo para a produção deles. Os empreendedores querem ver números para terem o mínimo de certeza que terão lucro com aquilo, por exemplo, Little Witch Academia só teve um segundo filme e a serie para TV produzidos quando ocorreu um incentivo vindo do público através do Kickstarter. Cadê a galera da representatividade?

        Yuri!!! on ICE definitivamente provou de vez que o mercado está lá e ele incentivará a maior produção desse material, mas já havia confiança que existia um grande número de público interessado nesse tipo de romance, as famosas fujoshis. Animes como Uta no☆Prince-sama de 2011 vendem muito, o engraçado é que, mesmo sendo um harem reverso, o foco da maioria do público alvo eram os ships homossexuais, vinde a absurda quantidade de fanfics. O mínimo de segurança também existia com Monster Musume, afinal Monogatari Series, um harem com garotas “monstro”, tem a temporada que mais vendeu Blu-ray ever. Resta saber se animes com, por exemplo, travestis tem ou não público e felizmente teremos o Skirt no Naka wa Kedamono Deshita vindo aí, mas, sinceramente, duvido muito que ele consiga bons números.

        Com essa minha fala sobre o Netflix, apenas quis dizer que existem muitas pessoas criticando e falando sobre a necessidade do aumento na representatividade, mas no final essas mesmas pessoas não gastam com aquele produto, o que incentivaria o mercado a criar mais, ou seja, um bando de hipócritas. De resto, eu concordo com tudo que você falou a respeito das diferenças entre o público alvo das duas mídias.

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        • Risco sempre existirá para tudo. Se risco tão somente fosse um desincentivo assim tão grande nunca teríamos tido muitas das grandes inovações modernas nas mais variadas áreas. Acho importante lembrar que muito antes de estarmos falando sobre números cuidadosamente calculados nós estamos falando de pessoas. É claro que um investidor ou produtor irá sempre pensar duas vezes antes de apoiar algo, mas para além dos números ele mesmo possui seus interesses, ideologias, e por ai vai. É daí que sai boa parte da arte mais experimental que vemos nos animes: de uma equipe de artistas que quer produzir e de um conjunto de investidores que, com ou sem risco, quer ver aquela ideia dar certo. Reduzir o ser humano a seres perfeitamente racionais que sempre tomam as melhores decisões é esquecer que, apesar do que gostamos de dizer, somos bem menos racionais do que aparentamos xD

          Sim, Yuri on Ice tinha já o público fujoshi ao qual apelar (e mesmo assim foi BEM além dele, sendo um bom indício de que, como você colocou, o mercado está disposto a acolher obras desse tipo), mas até ai essas obras só se consolidaram porque alguém algum dia achou que valia a pena arriscar e lançar material do tipo. Sempre vai haver um primeiro que tomou o risco e nisso provou que existe um nicho a ser preenchido.

          Sobre o anime de travesti que virá, eu duvido muito que ele vá ser um bom exemplo de representatividade rs. Na real, se ele não for efetivamente ruim – isto é, um anime de uma piada só repetida a exaustão – já vai ser uma surpresa, ao menos do que vi de informações da obra. Mas indo por esse lado, já faz algum tempo que personagens andrógenos ou travestis aparecem com frequência. Quase toda temporada parece ter um ou mais do tipo, se você reparar bem, então não vejo nada de inovador nesse anime que está por vir. E se estamos falando em representatividade trans, Hourou Musuko foi certamente o melhor exemplo que já tivemos nessa mídia, e inclusive foi muito bem recebido pela crítica.

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      • Mulheres e negros também são maioria no país, mas eu digo essa frase no sentido de que os indivíduos são sempre colocados antes de coletivos, mas, na verdade, os indivíduos que são verdadeiramente os oprimidos. “A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias. ” (Ayn Rand)

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        • Eu entendo a frase, mas sendo BEM sincero – e correndo o risco de soar grosseiro – eu vejo ela como tecnicamente correta… mas e daí? Tudo bem, o minoria absoluta é o indivíduo, mas… foda-se? Se o que a frase quer dizer é que o indivíduo é oprimido pela sociedade, bom, isso é apenas consequência da vida em sociedade. Faz parte, não podemos ter o povo fazendo o que der na telha e possivelmente trazendo prejuízo ao coletivo. Além disso, por si só o indivíduo é um inútil. O ser humano é um animal social por um bom motivo: sozinhos, morremos em questão de dias – ou de horas, se estivermos no meio de uma floresta ou savana rs. Então qual o ponto aqui?

          Em compensação, o argumento da esquerda é muito mais sobre o “oprimido” do que sobre, necessariamente, a “minoria”. A ideia é que dentro das sociedades humanas existem grupos de pessoas que acabam – implícita ou explicitamente – tendo menos direitos, menos visibilidades, e recebem mais hostilidade por parte do outro grupo. Acho essa visão demasiado reducionista de dinâmicas sociais muito mais complexas? Até acho, mas é importante saber qual é o argumento para não cair no risco de criar espantalhos rs.

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          • O indivíduo é oprimido pelo estado. O estado coercitivamente expropria indivíduos pacíficos e ainda dita como devem viver suas próprias vidas. O que esses grupos supostamente oprimidos fazem é pedir ao papai estado, que tem a arma na cabeça dos indivíduos, benefícios, com a desculpa que são ou mesmo que foram oprimidos. O indivíduo não é inútil. Nunca subestime o poder de pessoas motivadas e habilidosas. É fácil cair na armadilha de achar que o governo tem que resolver os problemas ou achar que devemos entrar na política para realmente fazer ações de efeito no mundo. Isso simplesmente não é verdade.

            Três exemplos:

            1) O Antagonista. Três jornalistas experientes, um blog e muito trabalho duro. Com um ano e meio de trabalho recebem 180 milhões de visualizações mensais e pautam Brasília, apontando nomes, orientando decisões e dando muita visibilidade a decisões antes obscuras. Um efeito enorme com pouquíssimos recursos.

            2) 4Chan. Sim, o 4Chan. Entre várias palhaçadas que o site fez, ultimamente alguns fóruns estão se unindo espontaneamente para esquadrinhar vídeos da ISIS, deduzir sua locação e passar as informações para que os Russos os bombardeiem. Tudo de graça, feito pela zoeira de fazer.

            3) A Tomando Partido. Uma simples empresa de camisetas que conseguiu emplacar suas mensagens nos corpos de muitos brasileiros, chegando a fazer um famoso veículo de esquerda fazer um artigo inteiro devotado a chorar sobre o “Menos Marx, Mais Mises”, pautando assim uma frase de efeito.

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          • O convívio em sociedade oprime o indivíduo. Não é “O Estado”. O simples fato de coexistirmos com outros humanos já obriga a supressão de certos impulsos, desejos e anseios, e essa supressão existiria com ou sem a máquina estatal. A única forma de se livrar dela é vivendo em isolamento. Infelizmente, isso não somente traz uma tonelada de problemas psicológicos, como é como eu disse: sozinho o ser humano é um inútil. “Nunca subestime o poder de pessoaS motivadaS e habilidosaS”, repare muito bem o plural da sua própria frase. Mesmo os 3 exemplos que você citou não seriam nada se fosse apenas 1 pessoa. Jornais precisam de público, e o 4chan é um board que exige a presença de usuários para existir. Então sinto dizer, mas liberdade plena é simplesmente impossível, e a opressão do indivíduo SEMPRE será uma realidade, seja no sistema político e econômico que for.

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          • Para ser possível o convívio em sociedade é certo que um limite na liberdade dos indivíduos deve ser definido, mas o estado coercitivamente faz muito mais além disso. Essa definição pacifica e natural de limites, completamente alcançada sem o estado, não oprime os indivíduos. A melhor analogia para explicar o que o estado faz é a do criador de gado. O gado quando criado em confinamento tem doenças e vários outros complicados, então o criador, o estado, impõem cercas para que o gado posso acreditar que está vivendo livremente e produza dessa forma o melhor resultado, o gado é a população e o resultado é tomado através de impostos.

            A mudança e a inovação sempre partem de um indivíduo. O 4chan, o antagonista e a tomando partido partiram ou foram criadas por um indivíduo.

            Craig Wright criou sozinho a bitcoin, que hoje traz grandes benefícios a humanidade e vem revolucionando a forma como trocas voluntarias são feitas. Henry Ford idealizou o fordismo que trouxe grande melhora no padrão de vida da classe operária industrial. Albert Einstein desenvolveu a teria da relatividade que revolucionou a física. Karl Marx escreveu um livro que trouxe grande mal a humanidade. O indivíduo tem poder de mudar completamente a forma coma as coisas funcionam, para bem ou para o mal, e dizer que ele é inútil está no mínimo desconsiderando toda história da humanidade.

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          • Sinceramente, eu não discordo que o Estado seja coercitivo. Mas penso que simplesmente não existe solução. Qualquer forma de convivência em sociedade irá, inevitavelmente, terminar com uns mandando sobre os outros. Qualquer coisa além disso é pura utopia, no sentido mais verdadeiro da palavra: lugar nenhum. É por isso que algo como comunismo ou anarcocapitalismo não podem funcionar: eles dependem de uma bondade que simplesmente não existe na humanidade.

            E sobre o segundo ponto, você simplesmente não entendeu meu argumento. Deixe-me colocar dessa forma: da última vez que chequei, era preciso pelo menos DUAS pessoas para haver trocas, voluntárias ou não. E até onde sei, não foi Ford quem foi lá, pessoalmente, minerar cada metal necessário para fazer um carro, processar tudo, e montar veículo a veículo com a própria mão. E mesmo que tivesse sido, ele ainda precisaria de OUTRAS pessoas que comprassem o seu produto. O indivíduo >SOZINHO< (como em "sem qualquer outro ser humano por perto") é um inútil. Bote alguém para viver SOZINHO (ou seja, sem outras pessoas junto ou por perto, zero mesmo, absolutamente ninguém) no meio do mato e verá quanto tempo a pessoa sobrevive. É por isso que precisamos de sociedade. O indivíduo pode agir nela, sim. Mas NELA. No COLETIVO. E somente com o apoio e auxílio deste.

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