Por que o protagonista senta perto da janela?

Certamente o leitor conhece essa cena. Pegue qualquer anime que tenha cenas em uma escola japonesa tradicional e, via de regra, teremos o nosso protagonista sentando perto da janela, mais ao fundo da classe. Já tendo sido alvo das mais diversas piadas, teria esse clichê, porém, algum significado? Na minha opinião, a resposta é sim.

Antes de falar do significado desse clichê, porém, eu gostaria de apontar que ele é muitas vezes mal percebido. Via de regra, aponta-se muito para este clichê como sendo “protagonista tem a carteira escolar perto da janela”, mas eu pessoalmente o trataria como “protagonista que olha para fora”. Vamos parar por um momento e sair do ambiente escolar. Quantos de vocês já não viram uma cena em que o personagem principal olhava pela janela do ônibus ou, ainda mais comum, pela do trem? E quantos não viram uma cena em que o protagonista olhasse para o alto, focando no céu? Vários, eu imagino.

Se repararem em cenas como essa, algumas semelhanças se tornam evidentes. Em primeiro lugar, quase todas acontecem em um ambiente quase claustrofóbico. O personagem olha pela janela de uma sala de aula cheia, ou de um trem lotado, ou olha para o céu de algum lugar em meio a uma multidão frenética. Em segundo lugar, via de regra o personagem vê um ambiente aberto. A quadra ou bosque nos fundos da escola, a imensidão da cidade passando pela janela do trem, ou mesmo a infinitude do céu azul. Para além disso, notem que apenas o protagonista olha para fora. Os demais estudantes seguem ouvindo ao professor, os demais cidadãos no trem seguem absortos em seus livros e jornais, e a imensa multidão segue em seus afazeres cotidianos. Finalmente, na quase totalidade dos casos o protagonista parece… entediado.

Agora, essa é a chave para entender esse clichê: o tédio. Ao tratar sobre a Jornada do Herói, Joseph Campbell comenta que o “Chamado à Aventura” pode se dar de duas formas: por compulsão ou por vontade própria. Explicando de forma mais detalhada, o “Chamado à Aventura” é o primeiro estágio na Jornada do Herói, no qual o herói vê seu mundo cotidiano abalado por algo que o fará sair em uma viagem. Este algo pode ser um alguém, uma personagem que irá tirar o herói de seu mundo e o lançar à aventura, ou pode, também, ser a vontade do próprio herói, que, insatisfeito com sua situação cotidiana, parte em busca da auto-realização.

Vamos, então, entender esse clichê em outros termos. Em primeiro lugar, temos um personagem acomodado a uma dada sociedade, participante de um certo status quo. Entretanto, ele percebe o ambiente ao seu redor como sufocante, claustrofóbico, mesmo opressor. É a sala de aula, onde todo olham para o professor. É o trem, onde todos leem o jornal. É a rua, onde uns parecem seguir aos outros. A individualidade frequentemente se perde nessas cenas e todos, menos o protagonista, parecem uma grande “massa” capaz apenas de imitarem uns aos outros. Nosso protagonista, porém, não consegue aceitar isso. Não consegue olhar ao professor. Não consegue ler o jornal. O mundo mundano, cotidiano, lhe é entediante. E para tentar deixar o tédio de lado ele olha para fora. Para a imensidão. Para o desconhecido. O herói, em seu tédio para com o mundo do dia a dia, anseia por uma mudança: este é o sentimento de insatisfação, um sentimento de incompletude ou de não pertencimento, do qual Campbell falava.

Vale apontar, esse olhar para fora será recompensado. Essa ânsia pela aventura, atendida. Ao olhar para fora, o personagem vê o incomum. Ao se destacar dos demais, o herói é capaz de receber o seu Chamado à Aventura, dando inicio a toda a história que se seguirá. Por isso, na próxima vez que você notar um personagem olhando pela janela, tenha certeza de que uma série de mensagens estão lhe sendo passadas: este personagem é excepcional; este personagem anseia pela aventura; e este personagem a terá.

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