O que o Nosso Mercado de Mangás Podia Aprender com a Turma da Mônica


Um nem-tão-breve resmungo


Nessa última quinta (06/01), a editora Panini fez uma live em seu canal no youtube na qual trouxe, entre outras coisas, mais algumas informações sobre a edição 3 em 1 de One Piece. Em particular, foi anunciado que o mangá será mensal, com o primeiro volume custando R$ 49,90, enquanto que os demais custariam R$ 84,90.

Como quem perdoa é Deus, a internet logo correu para ridicularizar a completa falta de noção da editora. A Panini parece ter a impressão de que otakus estão entre as classes mais abastadas do Brasil, um delírio que eu bem gostaria que fosse verdade. Embora, pra ser justo, longe dela ser a única editora a ter esse problema.

Nosso mercado de mangás vem em um processo de elitização há anos já. Um que, ainda por cima, parece ter sido acelerado pela situação atual (em particular, o alto valor do dólar em relação ao real brasileiro). O resultado sendo o lançamento de títulos cada vez mais luxuosos, e o encarecimento dos títulos mais simples.

E pego no meio dessa espiral descendente, não consigo deixar de pensar em um outro quadrinho que, muito sabiamente, escolheu tomar o caminho oposto.

Isso não é algo do qual eu fale muito aqui no blog, mas antes de começar a colecionar mangás (bom, antes mesmo de voltar a ver animes!) eu era ávido colecionar dos gibis da Turma da Mônica. Fui assinante por muitos anos, juntando uma coleção bastante respeitável – ainda que também temporalmente limitada.

A maior parte dos meus gibis pegam ali do fim da fase Globo até a primeira centena da fase Panini. Ainda assim, visitas frequentes aos sebos da cidade me garantiram também um pequeno número de volumes mais antigos. Dentre os quais eu destaco o volume 149 da Mônica, lançado pela editora abril em setembro de 1982.

O que esse volume tem de tão interessante é que ele marca um aumento no número de páginas da revista. De 68, o gibi passou a ter 84 – algo que a revista anuncia com todo orgulho em sua capa, colocando a Mônica para segurar um cartaz que promete “mais histórias – mais diversão”. E mais importante: de uma lombada grampeada, aqui o gibi ganha sua tradicional lombada quadrada.

Ignorando almanaques e edições especiais, seria preciso mais 34 anos para que outro gibi do grupo principal da turminha ganhasse o mesmo tratamento. Este foi o volume 13 do Cebolinha, lançado pela editora Panini em maio de 2016.

Contudo, quem for em qualquer banca hoje verá que a situação já não é bem assim.

Vejam, desde que as revistas da turminha passaram a sair pela Panini, os gibis do grupo principal foram divididos em (até agora) 3 séries distintas, recomeçando a contagem do 1 a cada uma delas. Assim, a primeira série vai de 2007 a 2015, do primeiro volume até o centésimo. A segunda, porém, estranhamente vai de 2015 até 2021. Do volume 1 até o volume 70.

É um número estranho para recomeçar a contagem, não? Sim, ainda é um número redondo, mas 70 não tem bem o mesmo impacto que 100. Ainda assim, quando você compara a edição número 70 da segunda série com a número 1 da terceira, fica dolorosamente óbvio o motivo da decisão.

A passagem trouxe um downgrade significativo. A qualidade do papel, e sobretudo da capa, parece ter piorado bastante. E enquanto o gibi da Mônica manteve suas 84 páginas, sua lombada voltou a ser grampeada. Quebrando, assim, um padrão que já durava quase quatro décadas.

Não é preciso ser nenhum gênio para entender o que aconteceu aqui, ainda mais quando você considera o preço. Antes da mudança, o gibi da Mônica estava custando R$ 7,90. O primeiro volume da terceira série manteve o preço, mas hoje a revista já custa R$ 9,90. Um aumento significativo, considerando o pouco tempo. Mas logo se vê que estão fazendo de tudo para evitar elevar o valor aos dois dígitos.

Sim, há algo de triste em pegar uma revista da Mônica hoje e ver o quanto a qualidade caiu. Não por eu ter algum fetiche por papel pólen e lombadas bonitas, mas por ser ainda outro lembrete de a que ponto a situação geral já chegou. Como se já não bastasse… bom, me imaginem gesticulando para literalmente tudo.

Ao mesmo tempo, essa piora representa a tentativa, por parte da Maurício de Souza Produções e da editora Panini, de “segurar” o preço das revistas o máximo que der. De mantê-las, o quanto for possível, acessíveis. Ironicamente, em todos os seus outros segmentos a Panini insiste em fazer o oposto.

E eu sei que a comparação de “Turma da Mônica” com “mangás” é uma repleta de problemas. São produtos bem diferentes, para públicos bem diferentes. Além do fato de que as revistas da turminha gozam de algumas vantagens em relação aos mangás, como o fato de serem para crianças mais novas (um público pouco exigente por excelência) e de contarem com um apelo popular muito maior.

Mas eu gostaria que o leitor pensasse o seguinte: quando foi a última vez que qualquer uma de nossas editoras fez qualquer coisa que fosse para “segurar” os preços de seus mangás?

Porque, como consumidor, eu não tenho uma resposta pra isso. Como disse, a tendência no nosso mercado de mangás há já vários anos é a de produtos cada vez mais luxuosos a preços cada vez mais exorbitantes. Sempre com as mesmas desculpas. Nunca com nenhuma solução.

Estaria sendo duro demais com nossas editoras? Meus amigos, duro está ficando é o bolso do consumidor. A cada novo anúncio, mais e mais pessoas proclamam como ou diminuíram o número de títulos que compram ou abandonaram de vez o nosso mercado. Porque, grande choque, o brasileiro não é feito de ouro.

Eu defendo que nossos mangás precisam de um downgrade. Sacrifiquem o que for necessário. Luvas, capas duras, papel com mais camadas que os remendos das estradas brasileiras. Voltem com o meio tanko, se necessário. Apenas façam algo para que não tenhamos que pagar 35 reais por mês por gibi – no mínimo!

Certamente que muitos achariam ruim. E tão certamente quanto, tal medida traria de volta uma boa parcela daqueles leitores que agora estão tendo de escolher entre a carne no jantar ou o quadrinho do pirata que estica.

Que nossas editoras demonstrem um mínimo de respeito pelos seus consumidores. Um mínimo de empatia e de consciência pela situação atual do país. Em resumo, é só isso que eu estou realmente pedindo.

Mas não sou ingênuo. Na terra do lucro imediato e o amanhã que se exploda, não espero que algo assim vá acontecer. Então, ao leitor, digo que se divirta com One Piece 3 em 1 a 85 facadas por mês. E que se preparem, porque melhor não vai ficar.

Imagem de capa: Mônica (3ª Série) vol. 11 e One Piece vol. 99

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Um comentário sobre “O que o Nosso Mercado de Mangás Podia Aprender com a Turma da Mônica

  1. Quando era mais novo eu comprei a série inteira do Sakura Card Captors (meu primeiro mangá) hoje eu não consigo mais comprar nenhum, você tem toda razão, parece que eles (os editores) acham que quem lê mangá é rico, fico triste com isso, eu realmente queria voltar a comprar mas infelizmente tenho que ficar com os sites piratas, não me orgulho disso mas o preço é proibitivo.

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