Review – Aria (Anime)

Aria

Existem obras que são difíceis de se comentar, ou mais precisamente, que são difíceis de colocar em palavras a sua opinião sobre elas. Não tanto por uma falta de vocabulário, ou mesmo por uma falta de argumentos, mas mais porque às vezes parece que palavras simplesmente não fazem jus ao que você quer expressar – e acho que qualquer um que já tentou explicar a sua obra favorita para alguém vai se identificar com essa minha fala. Aria não chega a ser o meu anime favorito, mas eu o encaixaria confortavelmente no meu top 3. Na minha retrospectiva de 2017 eu disse que as três temporadas de Aria foram os únicos animes que eu vi naquele ano para os quais eu dei uma nota 10, e francamente falando se eu pudesse dar um 11 eu certamente o faria. Isso não é bem um argumento, eu estou só sendo um pouco hiperbólico para dizer o quanto eu amei essa obra, mas esse é um daqueles casos nos quais ser exagerado pode ser uma coisa boa. Talvez não diga muito sobre a qualidade da série em si, mas certamente diz bastante sobre o tipo de impacto que ela pode deixar. É o tipo de obra que eu recomendaria para qualquer um, valendo a pena conferir pelo menos o primeiro episódio, independente de qual seja o seu gosto.

Dando um pouco mais de contexto, a série é um slice of life com elementos de ficção científica e de fantasia, ambientada num planeta Marte terraformado e rebatizado como Aqua. Aqui temos a cidade de Neo Venezia, uma singela cópia da cidade que um dia existiu em Man-home, a nossa Terra, e onde gondoleiras chamadas “undine” conduzem os turistas pelas águas. Mizunashi Akari é uma aprendiz de undine, a única da companhia Aria, que tem como única outra empregada a undine profissional Alicia: uma das três maiores undines de Neo Venezia. Junto de Akari temos também Aika e Alice, ambas aprendizes de outras companhias, que levam seu dia a dia treinando para o dia em que se tornarão Prima Undine: gondoleiras profissionais. A obra começou como um mangá publicado por Kozue Amano, inicialmente intitulado Aqua e depois rebatizado como Aria. Em 2005, o estúdio Hal Film Maker lança a primeira adaptação da obra, Aria the Animation, que seria seguida no ano seguinte por Aria the Natural. A última das três temporadas vem em 2008, Aria the Origination, todas com direção de Jun’ichi Sato. E como sempre: spoilers a partir daqui.

Mizunashi Akari

Agora, eu quero começar essa review comentando aquela que é talvez a crítica mais comum ao anime: que apesar de sua qualidade, Aria pode ser um pouco lento. Francamente falando, eu levanto essa questão não tanto por discordar dela, mas sim porque, a meu ver, ela não realmente faz sentido. Fãs de anime e mangá parecem colocar bastante ênfase e importância no “plot“, o roteiro, a trama de uma obra qualquer, e chamam de “lento” qualquer obra que falhe em explorar a sua trama o mais cedo possível. Essa é uma crítica perfeitamente válida à histórias plo driven, histórias nas quais a trama é o foco central, e onde se desviar dessa trama pode ser visto como um desperdício de tempo. Mas nem só de histórias plot driven é composta essa mídia – ou qualquer mídia, diga-se de passagem. Aria é um desses casos, onde o foco repousa não no seu roteiro, mas sim em sua atmosfera. Ele não pode ser lento porque, na ausência de termo melhor, ele simplesmente não tem onde chegar para começo de conversa. Sim, todas as três garotas principais almejam se tornarem Prima, mas isso não é feito o foco real da trama até basicamente a terceira temporada, e mesmo ali essa questão só ganha os holofotes de fato nos seus últimos episódios.

Claro, se você quiser enxergar a jornada dessas três em direção à profissionalização como sendo “o plot” eu talvez pudesse entender a crítica de que o anime é lento. Mas uma alegação do tipo não realmente seria dentro do espírito ou das intenções da própria obra, mas sim uma projeção pessoal do espectador de como uma história deve ser, em oposição ao que ela quer ser ou, mesmo, de fato é. Aria é uma série que prima pela atmosfera, pelo aproveitar de cada episódio enquanto episódio, enquanto unidade individual, ao passo que uma obra plot driven prima pelo aproveitar de cada episódio dentro do contexto maior da série como um todo. Nesse segundo caso, é o conjunto que dá sentido a cada episódio, enquanto em Aria cada episódio possui sentido em si mesmo. Essa é a fundamental diferença entre histórias mais narrativas, digamos assim, e histórias mais episódicas, e por conta dessa diferença é preciso ajustar as próprias expectativas às intenções de cada formato. Isso não significa que o conjunto de Aria seja uma colcha de retalhos mal costurada, nem de longe. Conforme eu irei argumentar ao longo do texto, cada temporada possui um tema que conecta e dá sentido ao conjunto de episódios que a compõe, mas permanece o fato de que Aria não se deve ser assistido pela sua história.

É um anime atmosférico, muito mais do que um movido pela sua trama.

Por que, então, assistir esse anime? Como eu disse antes, Aria é uma série que prima pela sua atmosfera, mas para melhor explicar o que isso significa precisamos primeiro falar um pouco sobre o gênero ao qual a obra pertence: o iyashikei. A tradução mais literal do termo seria algo como “cura”, e o seu sentido enquanto gênero narrativo é o de uma história que tem como propósito “curar” psicologicamente o seu espectador, sendo um momento de alívio do estressante dia a dia. São histórias que, como a enciclopédia virtual TV Tropes coloca, possuem pouco ou nenhum conflito, enfatizando, ao invés disso, os pequenos prazeres da vida. Aria certamente se encaixa nessa categoria, e para ter certeza basta olhar a própria ambientação do anime. A cidade de Neo Venezia só pode ser descrita como utópica, um mundo calmo e tranquilo onde habitam pessoas das mais gentis e atenciosas. Em seu livro de 2006 Japanamerica [resumo], Roland Kelts entrevista diversas pessoas ligadas à industria dos animes e mangás, e uma fala em particular que se destacou para mim foi a de Hideki Ono (pseudônimo), editor da revista Anime Style. Ao falar sobre os personagens de um anime ele destaca o elemento subtrativo deles: olhos e a boca são desenhados, mas o nariz é reduzido a uma linha e as orelhas são ocultas atrás do cabelo. Como ele coloca, “os personagens não são possíveis na vida real, mas talvez eles fossem possíveis, se a vida real fosse melhor do que ela é” (pág. 214, tradução livre).

Ono podia estar falando sobre personagens de anime em geral, mas acho que seu comentário perfeitamente descreve a cidade de Neo Venezia – que, de certa forma, é também ela própria um personagem. Agora, e retomando a definição do TV Tropes, a parte do “sem conflito” é uma que deve ser entendida em um sendo mais estrito. “Conflito” é uma palavra um tanto quanto vaga, e numa acepção abrangente o bastante seria mesmo possível dizer que é literalmente impossível fazer uma história sem conflito. Mas usado para descrever o iyashikei, o que o termo de fato implica é uma ausência de grandes embates físicos ou ideológicos (conflitos externos), ou mesmo de embates morais do personagem para com ele mesmo (conflitos internos). Os personagens de um iyashikei são muito mais mundanos do que isso, é o ponto, e os conflitos pelo qual passam são também bem menos dramáticos (no sentido mais cinematográfico da palavra, digamos assim). Por tudo isso, o gênero é muitas vezes caracterizado como escapista, o que não é exatamente uma inverdade e nem, na minha opinião, um problema. Entretanto, eu não realmente apontaria Aria como uma série puramente escapista: não somente por ser uma série que, em seu melhor, é capaz de impactar fortemente o emocional do espectador, mas também porque é uma obra que claramente tem algo a dizer.

De certa forma, a própria cidade de Neo Venezia acaba sendo um personagem no anime.

Como eu mencionei mais cedo, cada temporada em Aria possui uma temática central que conecta e dá sentido aos episódios individuais. Em Aria the Animation, esse tema é a contemplação, não tanto de grandes questões como o sentido da vida ou a natureza humana, mas sim do mundo ao seu entorno. É uma série que prega por um ritmo mais calmo na vida, bem como a ideia de que em cada beco e viela escondida há o potencial de se encontrar algo novo e interessante. É uma mensagem que, inclusive, justifica muitas das decisões talvez mais curiosas do anime. A série se passa em Aqua, basicamente o planeta Marte terraformado. Com uma translação duas vezes mais longa que a da Terra, o próprio planeta parece se mover em um ritmo mais lento (metaforicamente, é claro, favor não querer começar uma discussão sobre a física disso). O foco da história em gondoleiras também fortalece essa mensagem. Como guias turísticas, é o próprio trabalho delas conhecer os pontos mais relevantes da cidade, algo que só conseguem atingir conhecendo-a muito bem. Mas claro, nesse sentido, o anime ainda vai muito além, e não apenas conhecemos os pontos turísticos mais importantes da cidade, como também uma série de locais bem mais mundanos, mas nem por isso menos especiais.

O efeito que uma mensagem do tipo procura causar fica evidente já no primeiro episódio, quando temos que a pequena Ai visita Neo Venezia, se esgueirando na gondola da Akari e convencendo a aprendiz a lhe dar um tour pela cidade. Ai começa deixando bem claro que não gosta de Neo Venezia, enfadada como estava da sua irmã mais velha não parar de falar da cidade, que visitara algum tempo antes. É um motivo infantil, claro, mas a própria Ai é ainda uma criança, e em todo caso é esse set up que cria o pay off do final quando a Akari consegue de fato mostrar à menina as maravilhas que a cidade tem a oferecer. A ideia aqui é clara: basta uma mudança de perspectiva para melhorar uma situação, uma mensagem que é repetida em diversos outros episódios, ainda que com roupagens diferentes. No episódio 2 a Aika precisa aprender a ver o melhor de sua superior e mentora, Akira. No episódio 6, Alice se irrita com sua mão esquerda, achando-a inútil, apenas para terminar percebendo seus diversos usos. E no episódio 9, quando Aika sente que precisa se apressar e se tornar uma Prima logo, uma visita das três à Gramma, a fundadora da companhia Aria, serve como um lembrete para levar a vidar com mais calma.

Divirtam-se com a vida: é a lição que a Gramma oferece às três aprendizes.

O mundo ao seu redor é mágico: se você se der ao trabalho de olhá-lo com atenção. Em última instância essa é a mensagem  que Aria tenta passar, sobretudo nessa sua primeira temporada. É por isso que não considero esse anime como puramente escapista: longe de apenas convidar o espectador a imergir em um mundo melhor do que a própria realidade pode ser, o anime faz isso ao mesmo tempo que convida o espectador a olhar para a própria realidade, e para as coisas que ele próprio talvez deixe passar em seu dia a dia mais corrido. Obviamente, é preciso cuidado ao se passar uma mensagem do tipo. Não importa quantos avisos sejam feitos sobre o nosso tempo acelerado, é fato que vivemos a época da pressa. Tempo é dinheiro mesmo literalmente: atrase-se para o trabalho e veja seu pagamento diminuir ao final do mês. Muitos simplesmente não tem o tempo necessário para se passear por cada viela de sua cidade atrás de algo que talvez compense o esforço. Mas um pensamento do tipo, além de um tanto quanto cínico, também tem o problema de tomar a mensagem do anime de forma literal demais. Afinal, a mudança que ele incentiva é menos comportamental e mais emocional: veja o lado bom das coisas, mesmo daquelas mais mundanas, e talvez se surpreenda com o mundo que o cerca.

Se a mensagem soa clichê é porque ela definitivamente é. Como um todo, Aria é um anime extremamente clichê. Agora, normalmente existem duas formas de uma obra ser clichê: sendo-o em seu sentido mais pejorativo, de um amalgama de ideias reutilizadas, fruto de pura incompetência do autor em ter uma ideia original; ou sendo-o de uma forma mais positiva, quando um autor habilidoso nos faz lembrar o porquê desses clichês existirem em primeiro lugar, bem como o impacto que eles podem ter quando bem utilizados em uma história. Aria… é talvez um dos poucos casos de uma espécie de terceiro tipo, uma história que, sob qualquer métrica, deveria soar clichê, mas que na prática acaba por ser algo incrivelmente único. Existe uma espécie de honestidade inerente no anime, uma noção de que as mensagens que ele passa não estão ali apenas por serem bonitas, mas sim porque aqueles por trás da obra genuinamente acreditam no que dizem. Claro, se isso é verdade ou não é muito difícil de dizer, mas o simples fato do anime conseguir passar essa impressão já é legitimamente impressionante. O roteiro de cada episódio pode ser clichê, mesmo suas mensagens definitivamente o são, mas ele nunca soa como tal: e francamente falando, esse é um feito que eu não me recordo de já ter visto em outra série.

Existe uma genuína honestidade que permeia esse anime, fazendo mesmo da mais clichê das mensagens algo imensamente tocante.

Eu mais uma vez vou ter de me referir à Japanamerica. No primeiro capítulo, uma das entrevistas de Kelts é com o crítico de animação e historiador Charles Solomon. Quando perguntado o porque de o anime estar invadindo os Estados Unidos, Solomon coloca que as pessoas buscam conforto na ficção quando os tempos são difíceis. Kelts então pergunta porque os americanos estariam buscando esse conforto em animações estrangeiras, ao invés de americanas, e a resposta que Solomon dá é deveras interessante. Segundo ele, “de certa forma, nossa cultura se tornou muito mais cínica (…). Esse é o problema de muitos filmes em animação desse país – os personagens são tão sarcásticos (…) [que] eles mesmos não parecem acreditar na história em que estão. Você não encontra esse sarcasmo no anime” (pág. 29, tradução livre). Aria é a perfeita encarnação dessa honestidade que Solomon descreve, tocando em temas que nós talvez considerássemos um tanto quanto embaraçosos – desacostumados como estamos a falar sobre nossos sentimentos. Muitos animes, ao fazerem isso, costumam sentir certa necessidade de dar uma espécie de “piscada de olho” para o espectador, algo que corte um pouco o impacto emocional para dizer que a obra sabe que uma dada fala ou uma dada situação é um tanto quanto piegas. Aria faz isso diversas vezes, sobretudo quando do bordão da Aika “frases embaraçosas não são permitidas”, mas ele não o faz em muitos outros momentos. E quando temos esses momentos, é como se ao invés do anime dizer “é, nós sabemos que isso é um pouco brega, mas e daí?” ele dissesse “sabem… isso aqui não deveria ser visto como brega…”.

Avançando com a cronologia nessa review, em maio de 2006 era lançado Aria the Natural: Sono Futatabi Deaeru Kiseki ni…, um curta que de certa forma serve de prelúdio para a segunda temporada do anime, Aria the Natural. Em ambos os casos, o tema de contemplação do mundo ao seu entorno sofre uma pequena mudança, passando a enfatizar a contenção daqueles ao seu redor. De uma ênfase nos pequenos milagres de cada viela, temos agora uma ênfase no encontro com o outro, e nenhum episódio exprime melhor esse tema do que o último da temporada. No episódio 26, Alicia e Akari começam a fazer uma bola de neve no chão de Neo Venezia, rolando-a de forma que vai ficando cada vez maior. Caminhando meio sem rumo, algumas pessoas param para ajudar, acompanhando as duas por algumas quadras antes de seguirem com seus afazeres. Ao final, ambas terminam em uma pequena vila, com os habitantes ajudando a fazer um boneco de neve. O que temos aqui é uma bonita metáfora sobre a vida. Com um empurrão inicial, você começa a caminhar, ainda meio sem rumo. Pelo caminho, vai encontrando diversas pessoas, amigos e conhecidos dos quais talvez se separe e voltem a se encontrar. Eventualmente, essa bola de neve irá derreter, tal como a vida irá um dia acabar. Mas é a jornada, os sentimentos colocados e os encontros fortuitos, que fazem todo o esforço valer a pena.

A vida como uma bola de neve.

O tema do encontro é inclusive reforçado pela figura do Cait Sith, essa figura mágica que Akari e Ai encontram no primeiro episódio e que volta a aparecer ao longo de toda a segunda temporada. Já em Aria the Animation o anime já havia mostrado o seu lado mais mágico, bem como a forma como esse lado está constantemente ligado aos gatos da cidade. No final de Animation, Ai vê, junto de Akari, esse lado, e elas interpretam o momento como Aqua aceitando a Ai. Conforme Natural avança, vamos vendo o Cait Sith ficar cada vez mais próximo da Akari, mesmo salvando-a quando a mesma se encontra em sérios apuros, até que temos a revelação final, de que o Cait Sith é uma espécie de espírito protetor da cidade, o coração de Neo Venezia, por assim dizer. Sua aproximação da Akari é a forma que o anime nos dá de dizer que a própria cidade, mesmo que o próprio planeta Aqua, vai lentamente se abrindo para a garota – dai eu ter dito mais acima que a própria cidade é também um personagem. O fato disso acontecer conforme a garota vai se encontrando com os demais habitantes de Neo Venezia, após toda uma temporada se familiarizando com a geografia e a arquitetura da cidade, certamente não é coincidência. Aproxime-se dos outros e eles se abrirão para você. Não imediatamente, pode demorar um pouco. Mas se persistir, terá feito um novo amigo. Novamente, a mensagem pode ser clichê, mas a genuína honestidade que há por trás dela ainda a faz soar imensamente tocante.

A sequência de Aria the Natural foi ainda outro especial, Aria the OVA: Arietta, lançado em setembro de 2007, e é mais uma vez um caso onde o especial dá o tom do que virá pela frente. Aria the Origination, a terceira e última temporada do anime, é ligeiramente diferente das duas temporadas anteriores. Enquanto que para aquelas o sonho das garotas de se tornarem Prima era ainda algo distante, Origination começa já com a noção de que essa realidade se aproxima cada vez mais. Por conta disso, o tema que agora liga os diversos episódios é a mudança… bom, mais ou menos. Se eu tivesse de dizer qual o verdadeiro tema dessa temporada, seria o sentimento que os japoneses descrevem como mono no aware: a inerente transitoriedade das coisas, que justamente por isso as torna tão belas. O símbolo máximo desse conceito é a flor de cerejeira, que em pouquíssimo tempo desabrocha em um belíssimo rosa antes de cair em direção ao chão: como eu disse, beleza advinda da perenidade. Aproveite o tempo que lhe resta enquanto ele lhe resta, pois tudo muda: mesmo que o parece imutável. Essa é a realidade que as três aprendizes de undine confrontam agora ao fechar da série, conforme se aproxima a promoção delas à Prima Undine.

Mono no Aware: a beleza de um momento exatamente por ser apenas um momento.

É interessante que talvez o episódio que melhor captura essa mensagem seja um especial lançado alguns meses após o final do anime. Aria the Origination: Sono Choppiri Himitsu no Basho ni… se passa entre os episódios 5 e 6 do anime (sendo por isso normalmente catalogado como o episódio 5.5), e nele temos uma cena da Akari subindo o Campanire e observando a cidade de Neo Venezia. Ali ela comenta sobre como apesar de parecer sempre a mesma, a própria cidade está constantemente mudando – uma fala que inclusive remete à reforma pela qual passa o café que Akari frequenta, que vemos primeiro no episódio 3 da nova temporada. De certa forma, essa fala da Akari reflete também nas próprias protagonistas. Aria não é um anime realmente focado na evolução de suas personagens, mas essa evolução ainda acontece. De forma gradual, lenta, mas ainda assim notável, sobretudo quando você compara essas personagens no começo e no final da série. Nesse sentido elas são personagens bastante humanas, amadurecendo em alguns aspectos e nem tanto em outros. Vemos como a Aika vai reconhecendo cada vez mais a Akira como sua mentora, o bastante para se sentir pessoalmente entristecida quando algo a afeta. Alice passa de uma garota tímida, mesmo um pouquinho socialmente inepta, a uma pessoa muito mais aberta aos outros. Já a Akari aprende a ser mais confiante em si mesma, sobretudo quando, após atingir o status de Prima, ela precisa assumir a companhia Aria, dada a aposentadoria da Alicia. E claro, ao longo do anime bem vemos como elas vão melhorando suas habilidades também como undines.

Orange Princess. Rose Queen. Aquamarine. A prodígio que precisou aprender a sorrir. A chorona herdeira de toda uma companhia. E a garota que amou e foi amada pela cidade de Neo Venezia. Essa última temporada é também um reconhecimento de que tudo um dia precisa chegar ao fim: uma mensagem mais que apropriada para uma última temporada. Vou dizer que eu tenho algumas reservas para com o final do anime: enquanto eu aceito sem problemas a aposentadoria da Alicia, ela se casar e a Athena entrar para a ópera me soaram como saídos do nada. Combinam com o tema da mudança, sim, mas ainda assim… Em todo caso, a despedida da Alicia é certamente bela, e a música que acompanha a cena é talvez a minha predileta em todo o anime (que possui uma excelente trilha sonora, diga-se de passagem). Junto dos DVDs de Aria the Origination ainda vieram sete episódios especiais intitulados Aria the Origination: Picture Drama, basicamente CD Dramas com uma ou duas imagens estáticas para dar o cenário. Menciono-os aqui apenas por demonstrarem o quão boa é a dublagem japonesa desse anime, e como cada dubladora soube dar uma voz inconfundível a – e inseparável de – cada personagem. Mas é, com as cortinas baixadas sobre o anime, a série teve então o seu grande final. E ai, 7 anos depois, veio Avvenire.

A última viagem da Akari como Single. A mão estendida ao espectador: um lembrete de que aquela jornada está prestes a chegar ao fim.

Aria the Avvenire foram três episódios especiais lançados em 2015, em comemoração aos 10 anos da primeira exibição da primeira temporada. Minha expectativa indo para eles não era exatamente alta: mencionem ai apenas um revival dos últimos anos que deu certo. Eu ainda achava que eles seriam bons, mas que em última instância não corresponderiam à magia do anime original. E bom… eu estava errado. Muito errado. Agora, não entendam mal, Avvenire é um fanservice, no sentido mais estrito da palavra: algo feito para os fãs, que inclusive não pareceu ter a mínima intenção de atrair um público novo. Mas vejam, como fanserviceAria the Avvenire deve ser talvez o melhor que eu já vi. Os três episódios foram produzidos pelo estúdio TYO Animation, com roteiro de Reiko Yoshida e a direção ainda a cargo de Jun’ichi Sato, e eles recuperam o espírito e a essência do anime original. Cada episódio se liga – sutil e nem tão sutilmente – a uma das três temporadas, tematicamente falando. No primeiro, temos o retorno da ideia de que uma vez Primas as três undines teriam problemas para se re-encontrar, uma questão que foi aberta ao final da primeira temporada. O segundo episódio traz o retorno do Cait Sith, que sutilmente proporciona o encontro entre Ai e duas outras aprendizes de undine: novamente, o tema do encontrar o outro. E o episódio final é ainda outra última despedida à série, o lembrete final de que tudo um dia precisa ter um fim.

Enquanto muitos revival se preocupam em trazer de volta aquele personagem, ou aquela referência, e por ai vai, Aria faz isso, mas somente na medida em que é necessário para a história e relevante para as mensagens que quer passar e a atmosfera que deseja criar. Cait Sith retorna, sim, e o anime inclusive se aproveita disso para fechar a ponta solta que a série deixou aberta: o porque da Akari não o ver ao longo da terceira temporada. Mas se ele está aqui é em serviço do tema do encontro e separação que permeou a segunda temporada. Já o episódio final nos mostra como a Alicia escolheu a Akari para ser sua aprendiz – novamente uma ponta solta do anime original que aqui é usada para reforçar a mensagem de como as coisas vão mudando. Há nesses episódios um profundo respeito por Aria, pelo que a série foi, pelo que ela significou e pelas ideias que tentou passar. Mesmo pela equipe do anime original. Ao longo dos três episódios, Athena não fala nada, apenas canta. Claro: à época dos especiais tanto a sua dubladora como a cantora que empresta sua voz durante as suas canções, infelizmente, já haviam falecido. Não contratar uma nova dubladora fica então como um reconhecimento por parte da equipe de que ninguém poderia substituí-las.

“Avvenire” é italiano para “futuro”. E assim acaba a série: com as personagens caminhando em direção ao futuro.

Aria possui ainda outros pontos bem fortes. Um destaque que eu preciso dar é ao seu worldbilding, feito de maneira incrivelmente sutil. Por pequenos detalhes e comentários mundanos jogados aqui e ali, o espectador consegue aos poucos ir reconstruindo toda a história de Aqua e de Neo Venezia, bem como ter alguma noção do que houve com Man-home: a nossa Terra. Fica claro que a Terra já não é mais a mesma. Ai e seus pais deixam evidente que o planeta não virou nenhuma distopia cyberpunk, mas claramente seu ambiente já não é mais o mesmo. Já outro aspecto que merece todos os destaques possíveis é o aspecto técnico do anime. Sua animação não é particularmente incrível, mas seus cenários são um colírio para os olhos, e só melhoram conforme a série progride. E claro, temos a sua trilha sonora. Fora diversas peças instrumentais, Aria conta também com algumas insert songs, e por vezes reutiliza as suas aberturas (especialmente a primeira abertura) em alguns momentos. Nada, porém, é feito por acaso, e cada peça complementa lindamente a cena em que aparece, podendo criar desde um clima mais leve e festivo, passando por um clima mais calmo e mundano, até gentis momentos de melancolia.

Yokogao é uma música cantada por Yui Makino, e a insert song que toca no último episódio de Origination, quando da despedida da Alicia. Em seu refrão, ouvimos: “se um dia vier visitar esse lugar, venha de braços abertos / o céu azul e o céu estrelado o receberão, com certeza” (この場所に訪れたなら両手広げてうけとめて / 青い空も星空も迎えてくれるそうきっと). Mais acima, eu perguntei porque assistir Aria, se não pela história, e mais acima ainda eu havia dito que é difícil expressar em palavras os meus sentimentos para com esse anime. De certa forma, um responde ao outro. Para além da sua história, para além de suas personagens, para além mesmo de suas mensagens, Aria simplesmente é uma franquia que te prende de uma maneira quase indescritível. É óbvio que o anime não vai agradar a todos: nada agrada. Mas sabem… Depois de algum tempo consumindo uma dada mídia, se torna cada vez mais difícil encontrar uma obra que maravilhe, algo que você possa realmente chamar de “favorito”. Você irá ainda encontrar muitas obras que goste, claro, mas sabemos que não é a mesma coisa. Aria é o meu mais novo favorito, em um tempo que eu não sabia dizer se ainda encontraria algum. Um pequeno milagre, por assim dizer, e um maravilhoso encontro com uma obra que demonstra o enorme potencial dessa mídia.

E você, leitor, já assistiu Aria? Se sim, que achou do anime? Sinta-se a vontade para descer um pouco mais a página e deixar um comentário.

Redes sociais do blog:

Facebook

Twitter

Imagens (na ordem em que aparecem):

1 – Aria the Animation, episódio 1

2 – Aria the Animation, episódio 1

3 – Aria the Animation, episódio 13

4 – Aria the Animation, episódio 1

5 – Aria the Animation, episódio 9

6 – Aria the Natural, episódio 5

7 – Aria the Natural, episódio 26

8 – Aria the OVA: Arietta

9 – Aria the Origination, episódio 12

10 – Aria the Avvenire, episódio 3

4 comentários sobre “Review – Aria (Anime)

  1. Excelente análise! Conseguiu exemplificar tudo o que Aria “é” e como ele acerta em “transmitir” isso (faltando apenas a pessoa “ver” para poder “sentir”). E a melhor forma de descrever a obra é realmente com a palavra “sentimento”. O que os personagens sentem, como seus sentimentos são afetados pelo o dos outros, como eles nos afetam, etc.

    Além de “Aria” significar “ar” em italiano e ser o nome do gatinho principal da obra (e automaticamente do melhor mascote dos animes), também simboliza um sopro de vida do estilo iyashikei e uma lufada de ar em nossos corações.

    Curtir

  2. Onde você baixou o anime, Diego? Procurei em vários sites diferentes e todos eles usam a tradução do mesmo fansub, que é péssima. Se você puder dizer onde baixou (caso tenha assistido em português), eu agradeço. o/

    Curtir

Deixe um comentário