
Tendo assistido toda a obra do Makoto Shinkai lançada até a data desta review, eu devo dizer que, embora eu goste bastante de seus curtas, seus filmes nunca “clicaram” para mim. Não que os ache ruins, nem de longe. Muito pelo contrário: são todos bons. Mas também apenas isso: bons, nunca excelentes ou excepcionais. Certamente a presentação visual é incrível, mas isso sempre me pareceu o que mais se destaca em seus filmes. E como alguém que, por mais maravilhado que fique com a beleza dos cenários, espera mais do que isso de um filme, as histórias desse diretor nunca realmente ressoaram comigo. Então eu sinceramente não esperava grandes coisas de seu mais recente filme, Kimi no Na Wa (mais conhecido pelo seu título ocidental, Your Name), produção de 2016 do estúdio CoMix Wave Films. Mesmo com – e admitidamente talvez até por conta de – todo o hype que cercou o filme.
A sinopse também não ajuda, ao menos não para mim. Mitsuha, que mora em uma cidade pequena no interior do Japão, e Taki, que mora no grande centro urbano que é Tokyo, inexplicavelmente começam a trocar de corpos. Inicialmente, isso lhes parece apenas um sonho, sobretudo quando no dia seguinte eles estão de volta a seus corpos normais. Logo, porém, fica claro que aquilo foi bastante real, e agora eles precisarão lidar com esse misterioso evento, dado que ambos seguem trocando de corpos de forma aparentemente aleatória. Não é exatamente uma premissa que eu goste, e eu vou explicar porque depois. Mas antes de mais nada, preciso dizer o seguinte: apesar de tudo isso, esse filme me surpreendeu. Ele é, de fato, excelente, e o hype que o cerca é, arrisco dizer, merecido. Mas para explicar porque, eu terei de entrar em spoilers, então fica aqui o aviso.

Agora, eu acho relevante dizer porque eu não gosto do tema “troca de corpos”, e isso é por um motivo só: vergonha alheia. É sempre a mesma história, os personagens trocam de corpos, tentam viver a vida do outro e fingir que está tudo bem, e só acabam agindo de forma estranha e passando vergonha na frente dos conhecidos da outra pessoa. Justamente por conta disso, o começo de Kimi no Na Wa muito me surpreendeu. O filme abre com uma cena da Mitsuha acordando, apalpando o próprio peito e se surpreendendo que ela tem seios. Claro: não é a Mitsuha ali, mas o Taki durante a primeira troca de corpos. Mas quase imediatamente após essa cena, o filme corta para o dia seguinte, quando a Mitsuha já está de volta ao seu corpo. E a partir dai uma boa parte do começo do filme é o dia a dia da personagem, que agora fica ouvindo, dos seus amigos e parentes próximos, que ela estava agindo de forma estranha no dia anterior, enquanto que ela mesma não se lembra de nada daquele dia. Sem exageros: eu achei isso legitimamente genial.
Enquanto a ideia de “troca de corpos” é um conceito até que já bem utilizado – não à exaustão, mas também não é realmente algo inédito -, Kimi no Na Wa se destaca em mostrar uma troca não permanente. Os personagens vão dormir e no dia seguinte podem ou não acordar como a outra pessoa, o que abre margem para o anime trabalhar o pós-troca, quando os personagens recuperam seus corpos e precisam lidar com o que quer que o outro tenha feito enquanto estava nele. E isso não é algo que você vê com frequência, e eu gostei disso. E ao se focar mais nisso nos seus primeiros minutos não apenas nos poupa de uma sequência que, verdade seja dita, nós já devemos ter visto antes pelo menos uma vez e sabemos muito bem como andou, para se focar no que o filme soube trazer de novo ao tema. Infelizmente a obra não é assim tão gentil quando se trata de mostrar o dia do Taki…

Após a primeira troca de corpos, temos uma segunda, na qual agora é a Mitsuha no corpo do Taki, e desta vez o filme mostra todo o dia. E é, é exatamente o que você esperaria de uma cena assim. O que foi, honestamente, um pouco decepcionante para mim, depois de uma sequência inicial tão bem pensada, e eu realmente preferiria que o filme tivesse só repetido a dose e mostrado o dia seguinte do Taki logo de cara. Felizmente, a cena é rápida, e nunca mais se repete (e bom, se tem outra coisa pelo que esse filme merece aplausos é o quão pouco formulístico ele é, constantemente surpreendendo o espectador). E depois dela o filme entra em um crescendo que segue até o final, ao ponto de que lá pelo terço final da história eu estava quase torcendo em voz alta pelo sucesso dos personagens [rs]. E eu acho que isso muito diz sobre o que, de fato, é esse filme.
Makoto Shinkai é um autor que se destaca em essencialmente três campos. Primeiro, no traçado de seus cenários, com seus filmes tendo um visual bonito em seu pior, e estonteante em seu melhor. Em segundo lugar, no seu uso da trilha sonora, e sobretudo no uso de insert songs (que Kimi no Na Wa, aliás, faz uso constante). E em terceiro lugar, e agora saindo da parte mais técnica e entrando em questões mais narrativas, temos as emoções. Cada filme desse diretor é muito mais sobre as emoções dos personagens do que sobre qualquer outra coisa. Seja um curta em preto e branco sobre um gato esperando a sua dona (Kanojo to Kanojo no Neko), seja um longa metragem de viagem por um mundo de fantasia (Hoshi wo Ou Kodomo), as emoções sempre tomam o primeiro plano em suas obras, e Kimi no Na Wa não é diferente.

Verdade seja dita, se começarmos a pensar demais no roteiro desse filme, ele se quebra bem fácil. Por exemplo, mais para o meio da história nós descobrimos que ambos os protagonistas trocaram de corpos não apenas no espaço, mas também no tempo: ela está em 2013, enquanto ele em 2016, três anos a frente. Pergunta: como exatamente eles nunca perceberam isso? Eu entenderia se isso fosse algo de um dia, ou coisa assim, mas eles trocavam de corpos constantemente! Por semanas! E em nenhum momento nenhum deles olhou para a data do dia?! Isso sem contar a resolução final, que é a sua típica resolução estilo paradoxo do avô. Taki descobre que Mitsuha morreu três anos atrás na queda de um meteoro, e numa última troca ele faz o possível para salvá-la. Obviamente, ele consegue, o que já abre o tão famoso paradoxo: se ele a salvou, ela não morreu, então ele não precisava voltar no tempo, e se não volta, ela morre, e se ela morre, ele precisa voltar, e… É, acho que você já entendeu.
Mas sinceramente: não importa. Nada disso passou pela minha cabeça durante o filme, tão imerso que eu estava naquela história e naqueles personagens. O twist sobre a diferença de três anos pode ter vindo do nada, mas cumpriu seu propósito de me deixar de queixo caído. E sobre o paradoxo temporal: eu não poderia me importar menos. Investido como estava naqueles personagens, eu só queria vê-los triunfar, e dane-se se a solução faz algum sentido ou não. E eu honestamente acho que isso merece algum crédito. Eu penso que não existe obra perfeita, e que todo anime terá as suas imperfeições. E o trabalho de uma boa história é simplesmente esconder suas imperfeições, distraindo o espectador com outros elementos, ou tão somente fazer o espectador não se importar com elas. E Kimi no Na Wa faz isso com maestria. Claro, depois de pensar a respeito você começa a achar falhas, mas durante o filme você está ocupado demais, quase gritando “VÃO!!!” conforme os personagens colocam seus planos em marcha, para se importar com “detalhes” como coerência e lógica [rs].
Um bom exemplo disso é o tom mais mágico/místico do filme. Shinkai é certamente mais conhecido pelos seus trabalhos de cunho mais realista – diria até brutalmente realista – Byousoku 5 Centimeter (5 Centímetros por Segundo, 2007) e Kotonoha no Niwa (O Jardim das Palavras, 2013). Mas seu primeiro projeto mais ambicioso, Hoshi no Koe (2002), era uma obra de ficção científica. Gênero que o diretor ainda se manteve em seu filme Kumo no Mukou, Yakusoku no Basho (2004). E claro, temos Hoshi wo Ou Kodomo (2011), que vai para o lado da completa fantasia. A mescla de realismo e misticismo que Kimi no Na Wa entrega, portanto, está totalmente dentro do esperado para esse diretor, e de certa forma toca exatamente como as suas obras de ficção científica e fantasia: se focando mais nas emoções dos personagens do que em realmente “explicar” aquele universo.

Mesmo a paleta de cores mais colorida e o tom mais alegre do filme encontra claro paralelo com Hoshi wo Ou Kodomo. E tão pouco é Kimi no Na Wa o primeiro longa metragem do diretor a ter um final feliz: tal título eu certamente daria a Kumo no Mukou, Yakusoku no Basho. Mesmo em temática o filme é bem “Shinkai”, com o tema de distanciamento e aproximação sendo uma constante em todos os seus trabalhos, até mesmo seus curtas. Quase sempre existe algo, em suas obras, que separa a dupla protagonista, seja uma distância física, como em Byousoku 5 Centimeter, seja uma distancia mais espiritual, como a morte de um dos personagens, a exemplo de Hoshi wo Ou Kodomo. Mas a aproximação também faz parte de suas obras. Kumo no Mukou é justamente sobre o protagonista tentando superar a distância entre ele a garota que gosta, que está em coma com a alma presa em algum tipo de dimensão paralela (é, esse filme é meio esquisito…). E se formos contar seus curtas… Dareka no Manazashi (2013) é sobre o re-aproximar de pai e filha, e enquanto oficialmente um comercial para um cursinho, Cross Road (2014), que inclusive está disponível legalmente no youtube, é também um curta sobre dois jovens que se encontram após passarem no vestibular.
Mesmo visualmente falando esse filme é claramente uma obra do Shinkai. Eu preciso admitir que, comparado a seu filme anterior, Kotonoha no Niwa, Kimi no Na Wa apresenta cenários ligeiramente menos impressionantes. Mas é como eu disse: mesmo em seu pior Shinkai ainda é capaz de fazer milagres com o visual de suas obras. Adicione a isso que Kimi no Na Wa passa longe de ser o seu pior e você terá um mais que belíssimo filme, que mais que faz jus à fama do diretor. E claro, temos o uso constante de insert songs, algo que Shinkai claramente gosta de fazer – e que fez com alguma frequência em praticamente todas as suas obras desde Kumo no Mukou – e que faz muito bem aqui. Em especial, aqui as musicas são usadas sobretudo nos momentos de “montagem”, para mostrar a passagem do tempo, e certamente dão um charme ainda maior em cenas já muito boas.

Não é difícil de ver porque esse filme seria o sucesso estrondoso que foi no Japão, quebrando recordes de bilheteria semana após semana. E que seguiu em vias de se tornar um legítimo sucesso mundial, vale dizer, sendo o filme japonês de maior bilheteria na China e o anime com melhor dia de estréia nos cinemas do Reino Unido. Mas seu real sucesso possivelmente será medido nos Estados Unidos, onde o filme foi licenciado e exibido nos cinemas com o específico propósito de se qualificar para competir ao Oscar de melhor animação de 2016. Agora, no momento que escrevo essa review mesmo a sua indicação ainda não é certa (mesmo que provável), muito menos podemos começar a fazer apostas de se ele venceria ou não. Mas eu acho que esse filme merece o Oscar? Bom… Eu não me sinto confortável de dar uma resposta porque vi muito pouco da animação ocidental em 2016, e esse ano teve alguns filmes que foram bastante queridos pelo público. Mas digamos assim: se Kimi no Na Wa chegar ao ponto de vencer (e considerando o histórico do Oscar eu não apostaria dinheiro nisso) eu certamente entenderia porque.
Kimi no Na Wa não é perfeito, e ele irá sim exigir um investimento grande do espectador para deixar passar os seus defeitos, embora eu ache que o filme faz mais que por merecer esse investimento. É um bom filme. Emotivo, tocante, e que executa muito bem uma premissa que, em toda honestidade, eu achei que já tivesse me cansado. É, ele tem seus problemas, o roteiro tem suas falhas de lógica, os personagens não são exatamente um fosso de profundidade, e o romance pode facilmente ser visto como clichê por muitos. Mas, pelo menos para mim, nenhum desses problemas tirou da ótima experiência que foi esse filme, e muito menos da minha empolgação em saber como ele iria terminar. Não vou dizer que foi o melhor anime de 2016, como muitos talvez pensem, mas olha… Foi certamente uma experiência que fez valer o meu tempo, e uma que eu recomendaria, sinceramente, para qualquer um.
—
Redes sociais do blog:
—
Outros artigos que podem lhe interessar:
O que você valoriza em um anime?
—
Imagens: Kimi no Na Wa (trailer).
Ótima crítica, adorei o jeito de como falou desse maravilhoso filme, resumiu de certa forma(muito boa) como muitas pessoas, inclusive eu, nos sentimos pré, durante e pós filme. Esse filme espetacular me tocou de tal forma que tenho vontade de vê-lo todo dia, sinceramente meu preferido. Recomendo a todos esse filme, tenho certeza de que todos ficarão ou ficaram emocionados e satisfeitíssimos.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Não conheço praticamente NADA de Animes, mas sou apaixonada por filmes, mesmo relutante resolvi arriscar e assistir Kimi no Na Wa e fiquei completamente encantada… A história, a fotografia, as expressões faciais, a trilha sonora… E o final não foi aquele clichê que termina com um beijo! Realmente esse paradoxo temporal é confuso, as falhas realmente são gritantes, mas como vc citou a gente só pensa nisso depois que o filme acaba e mesmo assim ele não deixa de ser tocante. Já quero assistir os outros filmes do autor :)
CurtirCurtir
Oi toda critica que eu leio de You name,me irritar porque o Makoto Shinkai ele colocar tanto código e poética que muita coisa acaba passando batido. Uma das primeiras coisa interessante é que quando eles descobrem que estão trocando de corpo,eles fazem regras como: Meu corpo,minhas regras!ou seja tem a sensibilidade de falar sobre o cuidado e o respeito com o corpo do outro. Outra coisa é o conceito de musubi,o fio do destino. Nos contos de fadas é muito comum que o arquétipo da velha fiadeira que tem a função na história como a conselheira e ai entra o conceito das Moira e do fio de Ariadne na história. A obra falar do sagrado e profano tb,de uma união,de perseguir o destino. É uma obra que ao me ver é bem consciente na sua história e nos seus códigos.
CurtirCurtir